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    Martin Wolf

    Um setor financeiro grande demais não faz bem

    27/05/2015 10h22

    Será que pode existir algo como um setor financeiro grande demais? Prejudicadas em consequência das crises financeiras, enraivecidas pelos resgates às instituições financeiras, irritadas pela remuneração generosa dos executivos do setor, indignadas diante dos repetidos delitos e enfurecidas pela impunidade dos responsáveis, as pessoas comuns em sua maioria responderiam facilmente que sim.

    E não estão sozinhas. Tanto estudiosos quanto funcionários de instituições internacionais influentes, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco de Compensações Internacionais (BIS), concordam. É possível, sim, que o setor financeiro seja grande demais. O mais importante é que economias significativas se encontram nessa situação, entre as quais o Japão e os Estados Unidos.

    É fácil questionar o papel da atividade financeira. Afinal, de janeiro de 2012 a dezembro de 2014, as instituições financeiras pagaram US$ 139 bilhões em multas às autoridades regulatórias dos Estados Unidos. Mais fundamental é o contraste entre a porcentagem média de 7% que o setor financeiro representava no Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano entre 1998 e 2014 e sua porcentagem média de 29% dos lucros, no período.

    Uma sociedade organizada oferece duas maneiras de adquirir riqueza. A maneira normal sempre foi exercer poder monopolista. Historicamente, o controle monopolista da terra, em geral ocupada à força, foi o principal caminho para a riqueza. Uma economia de mercado competitiva oferece uma alternativa mais desejável: a invenção e produção de bens e serviços.

    Infelizmente, nos mercados também é possível viver como rentista. O setor financeiro, com sua complexidade e subsídios implícitos, está em excelente posição para fazê-lo. Mas essas práticas não só transferem dinheiro de um grande número de pessoas mais pobres para um pequeno número de pessoas mais ricas como também podem danificar gravemente a economia.

    Esse é o argumento que Luigi Zingales, um forte defensor do livre mercado, da Chicago Booth School, apresentou em seu discurso presidencial à Associação Americana de Finanças. Os danos tomam duas formas. A primeira é o dano direto: um boom insustentável alimentado por crédito fácil, por exemplo. A outra é o dano indireto que resulta da perda de confiança nos arranjos financeiros, devido a crises, trapaças generalizadas, ou ambos.

    O professor Zingales enfatiza os custos indiretos. Argumenta que um círculo vicioso pode emergir entre a indignação pública e os rentistas, e de volta a uma indignação pública ainda maior. Quando a indignação é forte, é difícil manter o cumprimento pronto e imparcial de contratos. Sem apoio do público, os financistas precisam buscar proteção política.

    Mas apenas aqueles que já desfrutam de posições sólidas como rentistas têm os recursos necessários a bancar lobbies. Assim, diante do ressentimento do público, só as porções do setor financeiro que praticam o rentismo em sua escala mais ampla –acima de tudo, os bancos mais poderosos– sobrevivem. Isso inevitavelmente alimenta ainda mais a indignação.

    Nada disso significa negar que o setor financeiro seja essencial para qualquer sociedade civilizada e próspera. Pelo contrário. É a importância dele, exatamente, que torna os abusos tão perigosos. De fato, existem indicações substanciais de que uma alta no crédito com relação ao PIB inicialmente causa elevação do crescimento econômico. Mas essa relação parece se reverter quando o crédito em circulação supera os 100% do PIB.

    Outros pesquisadores demonstraram que um crescimento rápido do crédito é um fator significativo de previsão de crise. Em nota recente, o FMI usa um indicador mais sofisticado para o desenvolvimento financeiro do que a razão crédito/crescimento. O indicador demonstra que o desenvolvimento financeiro de fato se acelerou, especialmente nos países avançados. E os números também mostram que, além de certo limite, a força do setor financeiro prejudica o crescimento.

    Outras pesquisas indicam que esse efeito negativo se concentra na "produtividade total dos fatores". Esse indicador mede o ritmo da inovação e os avanços na eficiência de uso do capital e da mão de obra. O FMI sugere que, para além de certo ponto, a alocação de capital e a eficácia do controle corporativo, especialmente, escapam ao controle. Assim, o impacto das influências financeiras sobre a qualidade da governança corporativa é um desafio importante.

    Houston, temos um problema. Existem indicações consideráveis de que um setor financeiro grande demais prejudica a estabilidade econômica e o crescimento, distorce a distribuição de renda, solapa a confiança na economia de mercado, corrompe a política e resulta em um aumento explosivo e, provavelmente, ineficaz, na regulamentação. Isso deveria preocupar a todos. Mas especialmente às pessoas que mais acreditam nas virtudes morais e econômicas dos mercados competitivos.

    Assim, o que se pode fazer? Eis algumas respostas preliminares.

    Primeiro, a moralidade importa. Como argumenta o professor Zingales, se as pessoas que ingressam nas finanças são encorajadas a acreditar que têm o direito de fazer tudo que quiserem desde que não sejam apanhadas, a confiança será demolida. É dispendioso demais policiar mercados eivados de conflitos de interesse e informações assimétricas. No geral não policiamos médicos dessa maneira, porque confiamos neles. Precisamos poder confiar do mesmo jeito nos financistas.

    Segundo, é preciso reduzir os incentivos a que o setor financeiro adquira peso excessivo. O mais importante incentivo até agora é isentar de impostos os pagamentos de juros. Isso precisa terminar. Em longo prazo, muitos contratos de dívida precisam ser transformados em contratos de risco compartilhado.

    Terceiro, é preciso acabar com a ideia de "grande demais para falir" e "grande demais para a cadeia". As duas coisas caminham juntas. A melhor maneira de eliminar o "grande demais para falir" seria elevar substancialmente o capital acionário requerido das instituições financeiras mundiais e sistemicamente importantes.

    Muitas delas optariam por se dividir, nesse caso. Assim que isso aconteça, o medo das consequências de um processo judicial se reduziria. Pessoalmente, eu iria além e separaria o sistema monetário do sistema financeiro, por meio da introdução do "narrow banking", ou seja, o requisito de que depósitos sacáveis à vista sejam lastreados por reservas no banco central.

    Por fim, todo mundo precisa compreender os incentivos em jogo em todos os "mercados de promessas". Esses mercados ficam expostos a corrupção da parte de pessoas que não se incomodam que promessas deixem de ser cumpridas, ou que as contrapartes sejam até incapazes de compreender o que está sendo prometido.

    Não precisamos de um setor financeiro maior, mas de um setor financeiro melhor. E, sim, isso pode terminar em um setor financeiro substancialmente menor.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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