• Colunistas

    Wednesday, 01-May-2024 14:23:58 -03
    Martin Wolf

    Por que as preocupações com a China fazem sentido

    26/08/2015 12h12

    Não sou nem suficientemente inteligente para entender o comportamento do "Sr. Mercado" –o maníaco-depressivo imaginado pelo guru de investimentos Benjamin Graham– nem tão tolo para achar que eu o entendo. Mas ele, certamente, esteve em uma fase depressiva. Por trás disso, parece haver preocupações com a China. O "Sr. Mercado" está certo em estar ansioso? Resumindo, sim.

    Temos que distinguir o que merece preocupação do que não merece. O declínio da Bolsa de Valores chinesa está na segunda categoria. O que merece preocupação é o tamanho da tarefa de confrontar as autoridades chinesas com sua aparente inabilidade em lidar bem com o estouro de uma mera bolha no mercado de ações.

    Os mercados de ações foram de fato se corrigindo, com o chinês na liderança. Entre seu pico em junho e terça-feira, o índice de Xangai caiu 43%. No entanto, a Bolsa chinesa permanece 50% mais alta do que no início de 2014. A implosão da segunda bolha no mercado chinês em uma década ainda parece não ter terminado.

    O mercado chinês não é um mercado normal. Ainda mais do que a maioria dos mercados ele é um cassino em que cada jogador espera encontrar um "tolo maior" em quem descarregar suas fichas superfaturadas antes que seja tarde demais. Tal mercado é obrigado a ser extremamente volátil. Mas seus caprichos devem dizer um pouco sobre a economia da China como um todo.

    No entanto, os acontecimentos no mercado chinês têm um significado maior, de duas maneiras relacionadas. Uma delas é que as autoridades chinesas decidiram arriscar recursos substanciais e até mesmo a sua autoridade política em seu (sem surpresa, sem êxito) esforço para parar o colapso da bolha. A outra é que eles devem ter sido levados a fazer isso por preocupação com a economia. Se estão preocupados o suficiente para apostar em uma economia tão desamparada, o resto de nós deve se preocupar também.

    Esta não é a única forma com que o comportamento das autoridades chinesas nos dá preocupação. A outra foi a decisão de desvalorizar o yuan em 11 de agosto.

    Em si, isso é também um acontecimento sem importância, com uma desvalorização acumulada frente ao dólar de apenas 2,8% até agora. Mas isso tem implicações significativas. As autoridades chinesas querem espaço para cortar as taxas de juros, como aconteceu nesta terça-feira. Uma vez mais, isso reforça as preocupações sobre a saúde da economia. Outra possível implicação é que Pequim pode buscar um renascimento do crescimento liderado pelas exportações. Acho difícil de acreditar, já que as consequências globais seriam devastadoras. Mas é razoável, pelo menos, se preocupar com essa possibilidade de desestabilização. Uma última implicação possível é que as autoridades chinesas estão se preparando para tolerar a fuga de capitais. Se assim for, os EUA seriam içados por sua própria armadilha. Washington tem procurado a liberalização do fluxo de capital por parte da China. Pode então ter que tolerar uma consequência desestabilizadora a curto prazo: um enfraquecimento do yuan.

    Acontecimentos recentes precisam ser vistos no contexto de uma preocupação mais profunda. A questão é se as autoridades chinesas podem e vão garantir uma mudança de uma economia liderada por investimento a uma economia dominada por consumo, enquanto sustenta demanda agregada. Se eles conseguirem, a economia vai também sustentar um crescimento de 6-7%. Se não, a instabilidade econômica e política é uma ameaça.

    A economia chinesa já desacelerou. O discurso de um "novo normal" reconhece essa realidade. Mas o Consensus Economics já agregou previsões alternativas de crescimento. A média dessas novas previsões mostra um crescimento de apenas 5,3% no ano até o quarto trimestre de 2015.

    Suponha que algo assim fosse verdade. Segundo dados oficiais, o investimento fixo bruto foi de 44% do Produto Interno Bruto em 2014. Os números de investimento são mais propensos a estar corretos do que aqueles do PIB. Mas faz sentido econômico para uma economia investir 44% do PIB e ainda crescer a apenas 5%? Não. Estes dados sugerem retornos marginais ultrabaixos, se não, negativos. Se assim for, o investimento poderia cair drasticamente. Isso pode não reduzir o potencial de crescimento, dado que o desperdício de investimento foi cortado em primeiro lugar. Mas isso causaria um colapso na demanda. Tudo que as autoridades chinesas têm feito sugere que estão preocupadas exatamente com isso.

    Esta preocupação sobre a demanda agregada deficiente não é nova. Tem sido uma grande preocupação desde a crise financeira do oeste, que devastou a demanda por exportações da China. É por isso que a China, em seguida, embarcou em seu próprio boom de investimento alimentado pelo crédito.

    Surpreendentemente (e preocupantemente), a participação do investimento no PIB aumentou, assim como o crescimento da produção potencial diminuiu. Isso não foi uma combinação sustentável a longo prazo.

    Isto agora deixa as autoridades chinesas com três enormes dores de cabeça econômicas. A primeira é limpar o legado de excessos financeiros passados, evitando uma crise financeira. A segunda é remodelar a economia, de modo que ela seja mais dependente do consumo privado e público e menos dependente de níveis extraordinários de investimento. A terceira é alcançar tudo isso enquanto promove o crescimento dinâmico da demanda agregada.

    Os recentes acontecimentos importam porque sugerem que as autoridades chinesas ainda não têm uma maneira de conseguir esta combinação tripla. Pior ainda, as ações que tentaram ao longo dos últimos sete anos tornaram a situação ainda pior.

    Talvez, o "Sr. Mercado" tenha compreendido o quão difícil isso vai ser e, assim, o quão desestabilizadoras algumas das opções que os chineses podem escolher realmente são. Isso inclui desvalorização, taxas de juros ultrabaixas e mesmo "quantitative easing" (afrouxamento monetário). Se este for o caso, a turbulência do mercado pode não ser boba. O excesso de poupança global pode piorar. Isso afetaria todo mundo.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024