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    Martin Wolf

    Tragam nossas elites para mais perto do povo

    03/02/2016 12h29

    Na abertura das primárias de 2016 para a corrida à Casa Branca, Ted Cruz, um candidato republicano descrito como um "charlatão", ofuscou Donald Trump, um "narcisista". Enquanto isso, Bernie Sanders, um Democrata autoproclamado socialista, mais ou menos empatou com a favorita do establishment, Hillary Clinton. Assim, a rebelião contra as elites está a todo vapor. A questão vital é se (e como) as elites ocidentais podem ser trazidas para mais perto do povo.

    Não somos chineses. Talvez nem mesmo os chineses fiquem satisfeitos de entregar a responsabilidade por assuntos públicos a uma elite auto selecionada. No Ocidente, no entanto, a ideia de cidadania —em que a esfera pública é propriedade de todos— não é apenas antiga; ela também tem sido objeto de uma luta finalmente bem-sucedida nos últimos séculos. Um atributo essencial de uma vida boa é que as pessoas não apenas desfrutem de uma série de liberdades pessoais, mas também de voz nos assuntos públicos.

    O resultado da liberdade econômica individual pode ser uma grande desigualdade, que esvazia as noções realistas de democracia. A governança das sociedades modernas complexas requer conhecimento técnico —e nós já estamos enfrentando o perigo de que o abismo entre as elites econômicas e tecnocráticas, por um lado, e a massa da população, por outro, se torne grande demais para ser superado. No limite, a confiança pode ser completamente quebrada. Então, o eleitorado vai se virar em direção a outsiders para limpar o sistema. Não é só nos EUA que estamos vendo uma mudança no sentido dessa confiança nos outsiders, mas também em muitos países europeus.

    Uma visão complacente é que os descontentes podem desabafar, mas o centro político vai segurá-los. Isso é perfeitamente possível, mas é uma estratégia arriscada. Se o descontentamento aumentar, o centro não poderá fazer isso. Mesmo que assim fosse, uma sociedade democrática em que uma grande minoria está descontente enquanto a maioria está cheia de desconfiança não seria feliz. No entanto, essa lacuna emergiu entre as atitudes das elites esclarecidas e do público em geral em relação às instituições.

    Então, quais são as causas dessa divisão de atitudes? Uma delas é a mudança cultural. Outra é o desagrado sobre as mudanças na composição étnica das nações. Depois, há a ansiedade sobre a crescente desigualdade e a insegurança econômica. Talvez a causa mais fundamental seja um sentimento crescente de que as elites são corruptas, incompetentes e complacentes. Demagogos jogam com tais fontes de ansiedade e raiva. É isso que eles fazem.

    Como mostra um documento recente da OCDE, a desigualdade aumentou substancialmente na maioria dos seus integrantes nas últimas décadas. O 1% mais rico teve particularmente grandes aumentos na renda bruta. Essa divergência entre o sucesso da elite econômica e a relativa falta de sucesso do resto tem sido particularmente notável nos EUA.

    Assim, observa a OCDE: "Entre 1975 e 2012, cerca de 47% do crescimento total na renda antes de impostos (nos EUA) foi para 1% mais rico." Como os EUA desenvolveram uma distribuição de renda em estilo latino-americano, sua política têm crescido infestada de populistas também com estilo latino-americano, tanto da esquerda quanto da direita.

    Como os que estão no centro devem responder? Políticos bem sucedidos compreendem que as pessoas precisam sentir que suas preocupações serão levadas em conta, que elas e seus filhos desfrutam da perspectiva de uma vida melhor e que vão continuar a ter certa de segurança econômica. Acima de tudo, elas precisam, mais uma vez, confiar na competência e na decência das elites econômicas e políticas.

    Aqui estão alguns elementos do que precisa ser feito. Em primeiro lugar, de todos os aspectos da globalização, a imigração em massa é o mais perturbador. O movimento nas fronteiras precisa ser controlado. Nunca deveria ter sido permitida a presença de 11 milhões de imigrantes sem documentos nos EUA. No caso da Europa, recuperar o controle das fronteiras é uma prioridade absoluta para que a União realmente sobreviva. Os refugiados precisam agora ser a prioridade. Isso exige a criação de uma capacidade europeia significativa de promover a ordem para além das fronteiras do bloco.

    Em segundo lugar, a zona do euro precisa embarcar em um questionamento fundamental sobre suas doutrinas macroeconômicas voltadas para a austeridade. É espantoso que a demanda agregada real seja substancialmente menor do que no início de 2008.

    Em terceiro lugar, o setor financeiro tem de ser controlado. É cada vez mais claro que a grande expansão da atividade financeira não trouxe melhorias proporcionais ao desempenho econômico. Mas tem facilitado uma imensa transferência de riqueza.

    Em seguida, o capitalismo deve ser mantido competitivo. Estamos em uma nova era dourada em que os negócios exercem grande poder político. Uma resposta é promover a concorrência de forma implacável. Isso vai exigir uma ação firme.

    Em seguida, a tributação deve ser mais justa. Os donos do capital, os gestores mais bem sucedidos do capital e algumas empresas dominantes desfrutam de ganhos notavelmente pouco tributados. Não é suficiente para os líderes empresariais insistir que estejam aderindo à lei. Essa não é uma definição adequada do comportamento ético. Esse ponto de vista é particularmente hipócrita quando interesses comerciais desempenham um papel tão poderoso para moldar essas leis.

    Além disso, a doutrina da primazia do acionista precisa ser desafiada.

    Os acionistas desfrutam do privilégio da responsabilidade limitada. Com seus riscos cobertos, seus direitos de controle devem ser praticamente limitados em favor dos mais expostos aos riscos da empresa, como funcionários de longa data. E, finalmente, o papel do dinheiro na política precisa ser contido com segurança.

    Os Estados ocidentais estão sujeitos ao aumento das tensões. Um grande número de pessoas se sente desrespeitado e desprovido. Isso já não pode ser ignorado.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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