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    Martin Wolf

    Os bancos ainda são os elos fracos da cadeia econômica

    17/02/2016 12h01

    Por que os preços das ações de bancos caíram tão drasticamente? Uma parte da resposta é que os mercados de ações caíram. Os bancos, no entanto, continuam a ser o elo fraco na cadeia, frágeis e capazes de gerar fragilidade em torno deles próprios.

    Entre 4 de janeiro e 15 de fevereiro de 2016, o índice Standard & Poor 500 caiu 7,5%, enquanto o índice de ações dos bancos caiu 16,1%. Durante o mesmo período, o FTSE Eurofirst 300 caiu 9,5%, enquanto o índice de ações dos bancos caiu 19,5%.

    O declínio das ações europeias foi um pouco maior do que o das americanas, mas o mau desempenho do setor bancário europeu foi semelhante. Em relação ao mercado dos EUA em geral, o índice de ações dos bancos dos EUA caiu 9,1%, enquanto o dos papeis dos bancos europeus caiu 11% em relação aos mercados europeus - logo, somente um pouco mais.

    O desempenho ruim dos bancos europeus torna-se mais evidente com uma visão mais de longo prazo. As ações de bancos não conseguiram se recuperar das enormes perdas sofridas na sequência da crise financeira de 2007/2009. Em 15 de fevereiro de 2015, o S&P 500 foi 23% maior do que em 2 de julho de 2007, mas o setor bancário dos EUA ainda estava 51% abaixo do que tinha sido naquele momento; o FTSE Eurofirst ficou 21% abaixo do seu nível de 2007, refletindo a recuperação malsucedida europeia, mas o setor bancário apresentou um decréscimo de 71%. No caso europeu, um declínio de 40% no valor das ações dos bancos iria devolvê-las ao Nadir de 2009.

    O que, então, pode explicar o que está acontecendo? A resposta mais curta sempre é: quem sabe? O senhor Mercado está sujeito a grandes oscilações de humor. No entanto, uma consideração importante, especialmente no mercado dos EUA, é que o índice de preço/lucro ajustado ciclicamente de Robert Shiller está em níveis que foram substancialmente ultrapassados apenas nas bolhas do mercado de ações, que tiveram seus picos em 1929 e em 2000. Os investidores poderiam simplesmente ter percebido que os riscos de perda das ações superam as possibilidades ascendentes.

    Preocupações plausíveis também poderiam ter provocado tal percepção. Essas não faltam.

    Poderíamos estar muito preocupados com a desaceleração da economia americana, impulsionada em parte pelo dólar forte, enfraquecendo os lucros das empresas e o compromisso equivocado de aperto do Federal Reserve. Podemos temer os danos de curto prazo trazidos pelo colapso dos preços das commodities, que estão impondo tensões econômicas e fiscais nos países exportadores delas e pressões financeiras sobre as empresas produtoras de commodities. Podemos estar preocupados com a necessidade de fundos soberanos liquidarem ativos para financiarem governos fiscalmente pressionados, particularmente dos países exportadores de petróleo. Podemos nos preocupar com uma grande desaceleração na China e com a ineficácia das políticas de seu governo. Podemos temer uma nova crise na zona do euro. Podemos nos preocupar com os riscos geopolíticos, incluindo a ameaça de guerra entre a Rússia e a Otan, a desintegração da União Europeia e a chance de que o próximo presidente dos EUA seja um populista radical.

    Mais fundamentalmente, a síndrome de deficiência crônica de demanda está piorando, com uma China desacelerando e contribuindo para a doença. É possível argumentar que a crise financeira é improvável, sem a euforia antes. Uma resposta possível é que foi a euforia em relação à China, que terminou. A melhor resposta, no entanto, seria a de que as economias de alta renda ainda não se recuperaram da crise financeira e da subsequente crise da zona euro, como mostram as taxas de juros ultrabaixas.

    Este conjunto de preocupações, e particularmente a pressão deflacionária em curso, lança uma luz afiada sobre a situação dos bancos. Eles são peças altamente alavancadas nas economias. Se as economias estão doentes, os bancos tendem a estarem mais doentes. Pior ainda, quanto mais doentes os bancos, mais doentes ficarão as economias.

    As preocupações sobre os bancos são mostradas agora, não só pelo preço de suas ações, mas também de maneira dramática pelos preços de títulos conversíveis contingentes, os CoCos. Esses títulos são híbridos: de dívida em momentos bons, mas conversíveis em ações quando o capital ordinário torna-se muito pequeno em relação aos balanços dos bancos. O colapso nos preços dos CoCos de uma série de bancos pode ser visto tanto como prova de que eles funcionam ou como o possível início de uma espiral da morte, em que o sinal de estresse esgota o financiamento de bancos frágeis de forma mais ampla.

    Por que os bancos devem ficar tão frágeis depois de toda a alardeada "rerregulação"? Uma resposta é que eles permanecem altamente alavancados. Se ignorarmos o truque de desaparecimento da ponderação de risco, a verdadeira alavancagem de muitos grandes bancos se mantém em mais de 20 para um. Outra resposta é que os bancos estão expostos a quase tudo. As más condições do mercado minam seus retornos de corretagem e administração de riqueza.

    A ameaça de deflação aumenta a probabilidade de taxas de juros negativas sobre as reservas. O efeito disso sobre os bancos é incerto, mas também preocupante. Pelo menos, o achatamento da curva de rendimentos é tão importante quanto o colapso dos retornos sobre títulos de longo prazo (ver gráfico). Uma curva de rendimentos horizontal é ruim para a rentabilidade dos bancos, cuja atividade consiste em tomar emprestado a curto e emprestar a longo [prazo]. As quedas dos preços das commodities também levantam preocupações sobre a solvência dos tomadores de empréstimos. A questão maior é as novas regras em matéria de resolução de bancos em dificuldade. Isso ameaça os credores com conversões forçadas em capital. Para os acionistas, isso significaria diluição. Para os credores, isso pode significar perdas inesperadas.

    A economia mundial não está necessariamente indo para uma crise, provavelmente está apenas caminhando para uma desaceleração – mas os riscos são abundantes. Além disso, esses riscos provavelmente vão afetar os bancos, em particular os de uma Europa dependente de bancos. Os bancos enfraquecidos vão então danificar as economias.

    Os políticos devem permanecer conscientes desses riscos de perda e fazer o que puderem para evitar piorá-los. Uma coisa continua clara: os bancos ainda são os elos fracos da cadeia econômica global. As pessoas se preocupam com a saúde destes enormes gigantes, altamente alavancados, colossos extremamente complexos e opacos. Elas estão, sem dúvida, certas em fazer isso.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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