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    Martin Wolf

    Como grandes repúblicas encontram seu fim

    02/03/2016 11h10

    O que se deve fazer com a ascensão de Donald Trump? É natural pensar em comparações com demagogos populistas do passado e do presente. É natural também perguntar por que o Partido Republicano deve escolher um valentão narcisista como seu candidato para presidente. Mas isso não tem relação apenas com um partido, mas com um grande país. Os EUA são a maior república desde Roma, o bastião da democracia, o garantidor da ordem global liberal. Seria um desastre global se Trump se tornasse presidente. Mesmo se ele falhar, ele tornou o impensável dizível.

    Trump é um promotor de fantasias paranoicas, um xenófobo e um ignorante. Seu negócio consiste na construção de monumentos feios para sua própria vaidade. Ele não tem nenhuma experiência em cargos políticos. Alguns o comparam a populistas latino-americanos. Também pode ser considerado um Silvio Berlusconi americano, ainda que sem o charme ou sem a visão de negócios. Mas Berlusconi, ao contrário de Trump, nunca ameaçou perseguir e expulsar milhões de pessoas. Trump é totalmente desqualificado para o cargo político mais importante do mundo.

    No entanto, como o intelectual neoconservador Robert Kagan afirma em uma coluna forte no "The Washington Post", Trump também é um "Frankenstein do Partido Republicano". Ele é, diz Kagan, o resultado monstruoso de um "obstrucionismo selvagem" do partido, da sua demonização das instituições políticas, do seu flerte com a intolerância e da sua "síndrome de enlouquecimento com toques raciais" em relação ao presidente Obama.

    Ele continua: "Devemos acreditar que a legião de pessoas "irritadas" de Trump está revoltada com a estagnação dos salários. Não, elas estão com raiva de todas as coisas das quais os republicanos lhes disseram para ter raiva nos últimos sete anos e meio."

    Kagan está certo, mas não vai longe o suficiente. Isso não aconteceu apenas nos últimos sete anos e meio. Essas atitudes foram vistas na década de 1990, com o impeachment do presidente Clinton. Na verdade, elas estiveram sempre lá, nas resposta oportunista do partido para o movimento dos direitos civis na década de 1960. Infelizmente, tornaram-se piores, não melhores, com o tempo.

    Por que isso aconteceu? A resposta é que essa foi a maneira como uma classe de doadores ricos, dedicada aos objetivos de redução de impostos e de redução do Estado, obteve os soldados rasos e os e eleitores necessários. Isso é, então, "pluto-populismo": o casamento de plutocracia com o populismo de direita.

    Trump encarna essa união. Mas ele tem feito isso deixando de lado parcialmente os objetivos do establishment do partido, de livre-mercado, impostos baixos e encolhimento do governo, com os quais seus rivais financeiramente dependentes permanecem casados. Isso lhe dá uma vantagem aparentemente insuperável. Trump não é conservador, reclamam os conservadores da elite. Precisamente. Isso também é válido para a base do partido.

    Trump é notório. No entanto, em alguns aspectos as políticas de seus dois principais rivais, o senadores Cruz e Rubio, são tão ruins quanto as dele. Ambos propõem cortes de impostos altamente regressivos, assim como Trump. Cruz ainda deseja voltar a um padrão-ouro. Trump diz que os doentes não devem morrer nas ruas. Cruz e Rubio parecem não ter tanta certeza disso.

    No entanto, o fenômeno Trump não é uma história de apenas um partido. É do país e assim, inevitavelmente, do mundo. Na criação da república americana, os pais fundadores estavam conscientes do exemplo de Roma. Alexander Hamilton defendeu em "O Federalista" que a nova república precisaria de um "executivo enérgico". Ele observou que a própria Roma, com a sua duplicação cuidadosa de magistraturas, dependia, em seus momentos de necessidade, da concessão do poder absoluto, ainda que temporário, de um único homem, chamado de "ditador".

    Os EUA não seguiriam esse modelo. Em vez disso, teriam um Executivo unitário: o presidente como monarca eleito. O presidente tem autoridade limitada, embora grande. Para Hamilton, o perigo do poder arrogante seria contido por, "primeiro, uma devida dependência dele em relação ao povo; segundo, uma exata responsabilidade".

    Durante o século 1 a.C., a riqueza do império desestabilizou a república romana. No final, Augustus, herdeiro do partido popular, acabou com a república e instalou-se como imperador. Fez isso, preservando todas as formas da república, enquanto dispensou seu significado.

    É temerário supor que restrições constitucionais iriam sobreviver à presidência de alguém eleito porque ele não entende nem acredita nelas. Perseguir e deportar 11 milhões de pessoas é uma empreitada coercitiva imensa. Será que um presidente eleito para alcançar isso seria parado e, se sim, por quem? O que devemos fazer do entusiasmo de Trump com as barbaridades da tortura? Será que ele encontraria pessoas dispostas a realizar seus desejos ou não?

    Para um líder determinado, não é difícil fazer o impensável apelando às condições de emergência. Tanto Abraham Lincoln quanto Franklin Delano Roosevelt fizeram algumas coisas extraordinárias em tempos de guerra. Mas esses homens conheciam limites. Será que Trump também conhece? O executivo "enérgico" de Hamilton é perigoso.

    Foi o presidente ultraconservador Paul von Hindenburg que fez de Hitler chanceler da Alemanha, em 1933. O que tornava o novo governante tão destrutivo não era apenas o fato de que ele era um louco paranoico, mas que ele governou uma grande potência. Trump pode não ser Hitler. Mas os EUA também não são a República de Weimar. São um país ainda muito mais importante do que aquele.

    Trump ainda pode falhar para ganhar a nomeação republicana. Mas, se ganhar, a elite republicana terá que se fazer perguntas difíceis – não só sobre como isso aconteceu, mas como devem responder corretamente.

    Além disso, o povo americano terá que decidir que tipo de ser humano que eles querem colocar na Casa Branca. As implicações desta escolha para eles e para o mundo serão profundas. Acima de tudo, Trump não pode não se revelar único. Um "cesarismo" americano agora tomou corpo. Parece um perigo preocupantemente real hoje. Ele poderia voltar novamente no futuro.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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