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    Martin Wolf

    Boa notícia - As Fintech poderiam revolucionar o setor financeiro

    09/03/2016 10h42

    A tecnologia da informação tem revolucionar os setores de entretenimento, de mídia e empresas de varejo e, mais recentemente, a oferta de quartos de hotel e de táxis. Será que ele vai fazer o mesmo com o setor financeiro?

    Minha primeira resposta é: por favor. Minha segunda resposta é: sim. Como Bill Gates disse: "Nós sempre superestimamos a mudança que vai ocorrer nos próximos dois anos e subestimamos a mudança que vai ocorrer nos próximos dez. Não se deixe adormecer pela inércia." Esse conselho se aplica a pessoas que atuam no negócio em si, mas também aos agentes políticos.

    O setor financeiro é um negócio de informação. Na verdade, ele já gasta uma parcela maior de receita em tecnologia da informação do que qualquer outro. Parece maduro para ser revolucionado por tecnologias da informação. Considere suas três funções essenciais: pagamento, intermediação entre poupança e investimento e seguros.

    Todas essas são atividades intensivas em informação. As pessoas precisam saber que as contas foram pagas. Elas precisam entender como seu dinheiro está sendo empregado e saber que seus riscos estão cobertos. Não menos importante, os intermediários precisam entender o que estão fazendo.

    Hoje, os bancos e as companhias de seguros são as instituições financeiras centrais. Os bancos gerenciam sistemas de pagamentos, geram a maior parte do dinheiro da economia, são responsáveis por uma grande proporção de intermediação financeira, são criadores de instrumentos financeiros e agem como agentes e criadores de mercado. Da mesma forma, as companhias de seguros desempenham o papel central na avaliação e na gestão de riscos.

    Por que deveríamos esperar que as novas tecnologias financeiras, ou as "Fintech", como são conhecidas as startups que atuam nessa área, vão transformar essas empresas? A resposta, especialmente para o setor bancário, é que ele não está atualmente indo muito bem. Parece ineficiente, caro, cheio de conflitos de interesse, com tendência para o comportamento antiético, e, não menos importante, capaz de gerar enormes crises.

    Em um discurso recente sobre as possibilidades de uma revolução financeira, Andrew Haldane, do Banco da Inglaterra, observa que, surpreendentemente, o custo unitário de intermediação financeira dos EUA parece não ter mudado ao longo de um século (ver gráfico). Além disso, a receita que vem de finanças simplesmente sobe e desce com o valor dos ativos. Isso sugere uma enorme quantidade de extração de renda.

    Além disso, 10 milhões de famílias americanas e 1,5 milhões de adultos do Reino Unido ainda não têm contas bancárias. Em todo o mundo, os bancos geram a quantia impressionante de US$ 1,7 trilhão em receita, 40% do total, a partir da efetuação dos pagamentos. Na era do computador, a liquidação ainda pode levar horas ou dias.

    No comportamento, como escreveu John Kay, "partes do setor financeiro hoje... demonstram os mais baixos padrões éticos de qualquer indústria legal". O pagamento de multas enormes parece ser visto apenas como um custo de fazer negócios. Finalmente, as crises bancárias pós 2007 foram tão grandes quanto qualquer outra no passado. O seu impacto econômico só não foi ainda pior do que era antes devido à disposição dos governos para socorrer bancos.

    A nova tecnologia pode ajudar a mudar isso de pelo menos duas maneiras. Em primeiro lugar, pode transformar pagamentos. Uma possibilidade é a liquidação em tempo real através de livros contábeis compartilhados.

    As vantagens da solução instantânea são evidentes. A vantagem de livros contábeis compartilhados, um elemento da tecnologia "blockchain" do bitcoin, é uma melhoria na robustez da manutenção de registros. Em vez de contas centralizadas, o banco de dados seria compartilhado através de uma rede de sites, que realizariam uma cópia idêntica. Tais tecnologias podem revolucionar os pagamentos nacionais e internacionais. Muitas empresas já estão procurando essa possibilidade.

    A segunda transformação pode ser através de empréstimos peer-to-peer, em que novas plataformas desintermediam os negócios tradicionais combinando poupadores com investimentos. Esse tipo de empréstimo está crescendo rapidamente (ver gráfico). A teoria aqui é que a informação computadorizada pode permitir que os poupadores dispensem completamente os serviços (caros) dos banqueiros.

    Otimistas imaginam um futuro em que os pagamentos, a geração de dinheiro (inquestionavelmente ativos líquidos e seguros) e a intermediação seriam separados. Nesse caso, a capacidade do setor bancário para criar uma reviravolta seria reduzida, assim como os perigos criados pelo recuo do Estado em instituições privadas.

    É, no entanto, muito cedo para ter certeza de tais benefícios. Na verdade, é fácil ver que os novos sistemas de manutenção de registros e pagamentos criariam problemas de segurança enormes. Da mesma forma, as oportunidades de prevaricação também existem em plataformas peer-to-peer. Na verdade, elas são inevitáveis com as transações que se baseiam em promessas sobre um futuro inerentemente incerto.

    Outra fonte potencial de transformação é o "big data". Isso pode transformar a qualidade do crédito, por exemplo, o que seria uma coisa boa. Mas os efeitos mais marcantes provavelmente serão nos seguros. Com os novos dispositivos de monitoramento, as seguradoras podem ganhar conhecimento direto de como seus clientes dirigem ou do estado de saúde deles. Essa informação pode ser usada para motivar melhorias no comportamento.

    Mas também é possível imaginar melhorias tão profundas na informação que pesquisas de grupos de risco – o componente fundamental do setor de seguros – desapareceriam. Se, por exemplo, a seguradora tivesse um alto nível de certeza de que alguns clientes teriam determinada doença, algumas pessoas poderiam se tornar não seguráveis. Em seguros, um pouco de ignorância é uma benção. Pelo menos, a maneira pela qual o conhecimento é obtido e utilizado poderia criar enormes problemas sociais.

    Em termos globais, as oportunidades oferecidas pela aplicação de tecnologias de informação para nosso sistema financeiro parecem grandes. A dificuldade pode ser antes a de assegurar que os benefícios se revertam, dessa vez, para o público, em vez de para um pequeno número de operadores ou mesmo para seus substitutos mais dinâmicos.

    O setor financeiro, em especial os bancos, precisa de uma revolução. Mas essa é uma área em que os agentes políticos não podem simplesmente presumir que as coisas vão funcionar bem. E é porque o setor de finanças é tão importante que uma revolução é necessária. Mas, por essa mesma razão, a revolução também requer observação cuidadosa.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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