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    Martin Wolf

    Crescimento da Índia é luz em um mundo sombrio

    16/03/2016 11h24

    Quarenta anos atrás, trabalhei com a economia indiana para o Banco Mundial. Desde então, sou fascinado pelo país. A capacidade dessa nação enorme e pobre de sustentar uma democracia viva tem estado entre as maravilhas políticas do mundo. No entanto, o seu desempenho econômico ficou aquém do que poderia ter ficado.

    Apesar das melhorias nas políticas e no desempenho desde a crise de 1991, a situação continua a mesma. No entanto, a Índia é agora a economia de crescimento mais rápido do mundo. O que pode acontecer no futuro?

    Foi com essa pergunta na cabeça que visitei Déli nos últimos dias. É difícil julgar o que está acontecendo em termos de desempenho imediato e políticas. Mas quatro conclusões emergem. Em primeiro lugar, Narendra Modi, primeiro-ministro do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata, no poder desde 2014, representa a continuidade, em vez da transformação pró-mercado que muitos apoiadores ingenuamente esperavam.

    Em segundo, o desempenho e as perspectivas de curto prazo parecem favoráveis tanto em relação ao passado imediato quanto ao que está acontecendo em quase todos os outros lugares. Em terceiro lugar, o desempenho de médio prazo também deve ser satisfatório, desde que o governo implemente as reformas já descritas.

    Isso é em parte porque a Índia mantém muito potencial. Em quarto lugar, no entanto, o país também corre riscos, externos e internos. Não se deve achar que o sucesso está garantido.

    Consideremos, então, as características do governo. É centralizado no gabinete do primeiro-ministro. A sua orientação é mais para a gestão do que para os mercados e mais para projetos do que para políticas. Não tem mostrado nenhuma inclinação para a privatização radical ou reestruturação dos monopólios públicos ineficientes.

    Ele continua a gastar grandes somas em subsídios ineficientes. Para ser justo, a câmara alta, que o governo não controla, até agora tem bloqueado a legislação por meio da qual o governo quer fazer a coisa certa. Um exemplo marcante é o imposto sobre serviços – um imposto nacional acrescentado sobre o valor aceleraria a integração do mercado interno da Índia.

    Um integrante do parlamento, nem do BJP [Partido do Povo Indiano], nem do Partido do Congresso, me disse que o governo estava "acima da média". Quando comparado com aqueles do último quarto de século, isso parece certo.

    Quando o governo chegou ao poder, a economia estava sofrendo com inflação rápida ao consumidor e com deficits fiscais consideráveis. Ajudada pela queda dos preços do petróleo, a primeira caiu de 10% em 2013 para menos de 6%. O deficit fiscal do governo central deverá cair de 4,5% do Produto Interno Bruto em 2013/14 (abril a março) para 3,5% no próximo ano.

    A economia cresceu apenas 5,3% em 2012/13. A previsão é de alcançar 7,5% por cento em 2015/16. A última pesquisa econômica do Ministério de Finanças prevê um crescimento entre 7% e 7,75% no próximo ano, embora com riscos de perda. Isso não seria estelar para os padrões da Índia. Mas seria estelar para aqueles do mundo.

    A performance, então, parece satisfatória. Será que vai continuar assim? Provavelmente, em particular se o Banco Central conseguir cortar as taxas de juros abaixo dos atuais 6,75% nos próximos meses. Além disso, depois de dois anos pobres, as chuvas de monção próximas podem muito bem ser maiores.

    Porém, o otimismo de curto prazo deve ser detalhado: primeiro, as exportações, estagnadas há anos, estão agora diminuindo; segundo, o crescimento do crédito desacelerou acentuadamente; e, terceiro, o investimento bruto caiu de 39% do PIB em 2011/12 para 34,2% em 2014/15. É vital que ele esteja pelo menos estabilizado.

    A Índia poderia sustentar o crescimento em algo perto de taxas atuais no médio prazo. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, o PIB per capita (em paridade de poder de compra) é de apenas 11% dos níveis dos EUA, ante 25% em relação à China. Isso indica espaço substancial para uma rápida recuperação do crescimento.

    A economia também é razoavelmente bem equilibrada. Uma transformação dramática pode não estar no horizonte: na ausência de uma crise, isso nunca foi provável. Mas as melhorias estão a caminho.

    Elas incluem investimento acelerado em infraestrutura; maior abertura ao investimento direto estrangeiro; administração mais eficaz; consolidação e recapitalização dos bancos do setor público; um código de falências adequado; liberdade para os estados competirem em políticas pró-crescimento; prestação de assistência pública por meio do sistema de números de identificação únicos; e, não menos importante, o GST [Goods and Services Tax].

    No entanto, a Índia não deve ser complacente. O país mudou do socialismo com entrada restrita para o capitalismo sem saída: fechar empresas e demitir trabalhadores é extremamente difícil. Esse último é uma das razões pelas quais a quantidade de postos de trabalhos no setor privado organizado é de 2% da força de trabalho.

    Os mercados fundiário, laboral e de capitais estão altamente distorcidos. A alta proteção das fronteiras restringe a capacidade de participar em cadeias globais de valor. Mercados de produtos importantes não são competitivos. Mesmo o alardeado setor de tecnologia da informação parece estar perdendo seu dinamismo.

    A qualidade geral da educação é pobre. Ao todo, ainda é necessária uma quantidade enorme de mudança. No entanto, é provável que a pressão de uma classe média em ascensão, no final, force reformas necessárias.

    Isso deixa três outros riscos. Um deles é de conflito armado, mais plausivelmente com o Paquistão. Isso, no momento, parece improvável. Outra é uma recessão global. Mas uma recessão grande o suficiente para inviabilizar o crescimento em uma nação com o tamanho e a diversidade da Índia, desde que bem gerida, parece uma probabilidade modesta.

    Um risco final deriva do "Tea Party" do BJP – seus integrantes chauvinistas e intolerantes. Os muçulmanos constituem 14% da população. Um dos milagres da pós-independência da Índia é a forma como as pessoas divididas por religião, casta e opinião têm conseguido viver democraticamente e, sobretudo, pacificamente, lado a lado.

    Essa é uma grande conquista. Para que dure, responsáveis políticos devem lembrar que governam para todos os indianos, incluindo aqueles de que não gostam ou discordam. A tolerância das diferenças importa em todas as democracias. Em uma democracia tão grande e complexa como a Índia, isso é realmente vital.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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