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    Martin Wolf

    Amigos do Reino Unido têm motivo para temer sua saída da UE

    20/04/2016 16h52

    Como os historiadores do futuro poderão vir a julgar uma decisão britânica de abandonar a União Europeia, no referendo marcado para 23 de junho? O momento bem poderá ser visto como aquele em que o Ocidente começou a se desmantelar.

    É por isso que o presidente norte-americano Barack Obama tem não só o direito de apresentar suas opiniões sobre a saída britânica (apelidada "Brexit") como a obrigação de fazê-lo, em sua posição como líder do Ocidente.

    A escolha que o Reino Unido fará em junho será sobre exercer ou não sua opção de sair da União Europeia agora. Enquanto o país continuar membro, terá sempre essa opção. Mas depois que sair, não contará com a opção de retornar. O momento de exercer uma opção perpétua é aquele em que o valor dessa opção não é só é muito alto mas dificilmente poderá subir ainda mais.

    O Reino Unido deveria votar pela saída se, e somente se, estiver seguro de que ficará em situação melhor do que aquela que viveria caso postergasse a escolha. Não é esse o caso no momento. E pode ser que nunca seja.

    De fato, as pessoas que favorecem continuar na União Europeia, como eu, argumentariam que, longe de trazer ganhos, exercer a opção de sair causaria perdas imediatas. Os proponentes da Brexit dizem que isso é um caso de "medo de projeto". A objeção é absurda. Evitar riscos desnecessários e custosos é o que diferencia adultos de crianças.

    Os possíveis custos econômicos da saída estão expostos em uma excelente análise publicada esta semana pelo Tesouro britânico. O estudo argumenta que o Reino Unido ficaria substancialmente prejudicado sob qualquer das três mais plausíveis alternativas a continuar na união: adesão à Área Econômica Europeia (como a Noruega), um acordo bilateral de comércio (como o Canadá) ou participação comum na OMC (como o Japão).

    No primeiro caso, a perda, tomando por referência a participação continuada na união, seria de entre 3,4% e 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2030; no segundo, seria de entre 4,6% e 7,8%; no terceiro, de entre 5,4% e 9,5%. Devemos acreditar nesses números? Não. Mas a direção que eles indicam é a certa, e as magnitudes na verdade podem estar abaixo da realidade.

    Em resumo, a economia do Reino Unido seria menos aberta ao comércio internacional e ao investimento estrangeiro direto, caso o país abandonasse a União Europeia. Isso prejudicaria no nível de produtividade do país e sua produção.

    Alguns proponentes da Brexit argumentam que isso não procede, porque a economia britânica seria mais desregulamentada e dinâmica, fora da União Europeia. Mas o Reino Unido já é uma das menos regulamentadas entre as economias de alta renda. Além disso, a pior das regulamentações britânicas - sobre o uso da terra - é nacional em origem. Uma vez mais, a maior intervenção no mercado de trabalho, nos últimos anos, foi a decisão do governo de impor um grande aumento no salário mínimo.

    Os proponentes da Brexit também argumentarão que a economia do Reino Unido não precisa se tornar menos aberta. Mas esse argumento tem um porém. Quanto mais o Reino Unido deseje preservar seu acesso privilegiado ao mercado da União Europeia (por meio de participação na Área Econômica Europeia), tanto menos soberania o país reconquistaria. Não ganharia controle sobre a imigração e teria de aceitar as regulamentações do mercado único sem ter influência alguma sobre sua redação.

    Se, para trabalhar com o extremo oposto, o Reino Unido optar pela OMC como forma de reger seu comércio com a União Europeia, mas decidir unilateralmente aplicar tarifa zero aos produtos europeus, teria de oferecer a mesma tarifa aos demais membros da organização. Comércio livre unilateral é uma opção. Mas tiraria do controle do país todas as fichas de que ele precisaria para negociar acesso preferencial a mercados de fora da União Europeia. E isso não leva em conta o fato de que a influência do Reino Unido em negociações desse tipo seria muito maior se ele operasse por meio da União Europeia do que agindo sozinho.

    Outra objeção é que a União Europeia está se tornando um mercado menos importante para o Reino Unido. Mas a alta absoluta nas exportações britânicas à União Europeia nos 10 anos até 2014 ainda foi mais alta do que a qualquer outro mercado, mesmo com um ritmo de crescimento muito mais baixo. Isso acontece porque a base em questão é muito grande. O Reino Unido também é o maior destinatário de investimento estrangeiro, dentro da União Europeia. É inconcebível que os atrativos do Reino Unido para os investidores não diminuíssem se ele não tivesse o mesmo acesso que os demais membros ao mercado da União Europeia.

    Esses argumentos, no entanto, se relacionam apenas ao longo prazo. A despeito de tentativas absurdas de negar o fato, é igualmente verdade que ninguém sabe o que aconteceria depois de um voto favorável a deixar a União Europeia.

    Primeiro, os proponentes da Brexit não concordam quanto a que alternativa escolher. Segundo, não sabemos o que os parceiros do Reino Unido podem querer. Há quem presuma, insensatamente, que eles serão generosos.

    Mas um parceiro que foi repudiado dificilmente será generoso em um divórcio. Além disso, o objetivo dominante dos demais países da União Europeia será manter a união. Eles querem tornar qualquer saída dolorosa.

    Por fim, a Brexit pode significar um longo período de tumulto e incerteza. A crise financeira demonstrou o quanto pode custar essa incerteza, não só por alguns anos mas bem no futuro.

    Por todas essas razões, os amigos estrangeiros estão chocados diante dos possíveis estragos que a Brexit causaria - e não só ao Reino Unido, mas em termos mais amplos. O mais importante desses amigos é os Estados Unidos. Caberia àqueles que resmungam sobre violação da soberania britânica recordar que o Reino Unido seria hoje satélite da Alemanha nazista ou da União Soviética, se os Estados Unidos tivessem optado por não se engajar.

    Os recursos e a força de vontade dos Estados Unidos sustentaram o Ocidente durante a Segunda Guerra Mundial e a guerra fria. Hoje pressionados, os Estados Unidos desejam uma Europa próspera e aberta ao exterior, capaz de dividir o fardo com eles nas próximas décadas. Os Estados Unidos há muito consideram como interesse vital o envolvimento do Reino Unido nos assuntos do continente europeu, dos quais os britânicos serão sempre parte.

    O Reino Unido já não é a grande potência do passado. Mas suas ações ainda assim terão consequências. O país não é, e nem deveria desejar ser, uma Cingapura europeia. Apenas os inimigos do Ocidente receberiam com agrado tamanha tolice.

    Como a maioria dos norte-americanos, australianos ou, aliás, outros europeus reage ao ver o Reino Unido considerando encerrar um relacionamento que lhe confere influência sobre a rota do continente, e ao mesmo tempo o mantém isolado de tantos dos erros e dos fardos de nossos parceiros? Eles acham que isso é loucura. E é isso que Obama deveria dizer, de maneira gentil mas firme.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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