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    Martin Wolf

    Mitos e fantasias nos argumentos em favor da saída britânica da UE

    27/04/2016 10h35

    Se o Reino Unido votar por abandonar a União Europeia, o país quase certamente ficaria excluído para sempre do arranjo que organiza a vida de nossos vizinhos e principais parceiros econômicos. Tendo isso em mente, a questão é determinar se a opção de sair deveria ser exercida agora. Minha resposta é: absolutamente não. Para entender o motivo, vamos examinar alguns dos mais populares argumentos em favor da saída.

    Primeiro, a participação na União Europeia trouxe poucos benefícios. Isso é falso. O Centro pela Reforma da Europa estima que ela tenha aumentado em 55% o comércio entre o Reino Unido e os países membros da União Europeia, elevando a produtividade e a produção.

    A criação de comércio dentro da União excedeu por larga margem os desvios de comércio com outros mercados. A Europa também trouxe uma forte política de defesa da competição e controle do auxílio estatal. As duas coisas são ganhos importantes.

    Segundo, a participação impôs custos pesados. Na verdade, o custo fiscal líquido é de apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, essa perda só poderia ser recuperada plenamente se o Reino Unido abandonasse de vez seu acesso preferencial ao mercado da União Europeia.

    O Reino Unido também é uma das economias de alta renda menos regulamentadas. O desempenho recente de seu mercado de trabalho demonstra sua flexibilidade continuada (e notável). Um estudo do Centro Europeu para Estudos Políticos acrescenta que apenas 6,8% da legislação primária e 14,1% da legislação secundária britânica foram aprovados para implementar leis da União Europeia.

    Terceiro, uma zona do euro cada vez mais integrada ditará políticas ao Reino Unido. Mas uma plena união política da zona do euro continua a parecer improvável. Os países membros discordam quanto a muitas coisas, o que abre espaço para que o Reino Unido exercite sua influência.

    Quarto, o Reino Unido deveria sair porque uma dissolução da zona do euro danificaria a economia do país. Se a zona do euro for dissolvida de maneira desordenada, o estrago para seus parceiros mais próximos seria substancial. Mas a União Europeia continuará a ser o maior parceiro comercial do Reino Unido, por prazo indefinido.

    Argumentar que a saída protegeria o Reino Unido é como argumentar que o Canadá deveria deixar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) para evitar uma crise financeira nos Estados Unidos: não faz sentido.

    Quinto, o Reino Unido deveria sair porque o crescimento da União Europeia é lento. É plausível que o comércio britânico com o resto do mundo se expanda em relação ao seu comércio com os vizinhos de crescimento mais lento. Mas reduzir deliberadamente o acesso aos mercados da União Europeia só faria sentido se a participação impedisse o Reino Unido de negociar com o resto do mundo. O desempenho das exportações alemãs demonstra que não é esse o caso.

    Sexto, a participação na União Europeia impede o Reino Unido de abrir mais mercados no exterior. Mas a União Europeia foi a principal força propulsora em três rodadas bem sucedidas de acordos mundiais de comércio: Kennedy, Tóquio e Uruguai. Ela vem se voltando cada vez mais a acordos de comércio preferencial. A influência da União Europeia oferece muito mais capacidade de abrir, por exemplo, os mercados da China, Índia e Estados Unidos do que o Reino Unido seria capaz de fazer agindo sozinho.

    Sétimo, será fácil concordar quanto a alternativas à participação na União Europeia. Mas os que recomendam a saída não estão em acordo quanto a isso. Existem três alternativas plausíveis: saída plena, e recurso ao comércio regulamentado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), o que custaria ao Reino Unido seu acesso preferencial ao mercado da União Europeia; participação, ao estilo suíço, em um arranjo para o comércio de bens, com acordos bilaterais em outras áreas, o que é complexo e exigiria que o Reino Unido retivesse o livre movimento de pessoas; e adesão à Área Econômica Europeia, como a Noruega, o que propiciaria pleno acesso comercial (excetuada a necessidade de respeitar regras de origem no comércio de bens) mas privaria o Reino Unido de influência quanto à regulamentação. Em termos gerais, quanto mais soberania o Reino Unido quiser retomar, menor o acesso preferencial que reterá. Essa é uma troca que não poderá ser evitada.

    Oitavo, será fácil para o Reino Unido obter o que quer que deseje da União Europeia. Algumas vezes, esse argumento é sustentado pela declaração de que os demais países da União Europeia têm superávit no comércio com o Reino Unido, e que estarão desesperados por mantê-lo.

    É uma visão ingênua. Divórcios raramente são harmoniosos. Além disso, países com grande superávits no comércio com o Reino Unido, a exemplo da Alemanha, continuariam a vender seus produtos ao país mesmo que a saída da União Europeia levasse a uma pequena alta nas tarifas de importação.

    A participação dos demais países da União Europeia no comércio do Reino Unido também é maior que a participação do Reino Unido no comércio dos demais países da União Europeia. Assim, a ideia de que o Reino Unido seria capaz de partir ditando termos é uma fantasia.

    Acima de tudo, aqueles que promovem a saída ignoram aquilo que os parceiros europeus do país pensam sobre a União Europeia. As elites políticas, especialmente na Alemanha e nas França, encaram a preservação de uma Europa integrada como uma questão do mais alto interesse nacional, e desejarão deixar claro que a saída tem um preço elevado, o que deve incluir esforços para tirar de Londres os mercados financeiros relacionados ao euro.

    Nono, será mais fácil chegar a um acordo de controle da imigração. Mas se o Reino Unido deseja manter acesso preferencial aos mercados da União Europeia, terá obrigatoriamente de reter a mobilidade da mão de obra. Se, em lugar disso, abandonar suas tentativas de reter acesso preferencial, poderia impor a necessidade de vistos de trabalho para os cidadãos da União Europeia.

    Isso tornaria o mercado de trabalho britânico mais inflexível, especialmente para os trabalhadores de alta capacitação. Igualmente importante, a União Europeia reagiria na mesma moeda. Isso afetaria adversamente os britânicos que vivem e trabalham na União Europeia.

    Décimo, a incerteza associada a deixar a União Europeia seria modesta. Na verdade, a incerteza seria generalizada: não sabemos o que um governo britânico negociando a saída desejaria; não sabemos o que o resto da União Europeia ofereceria; não sabemos quanto durariam as negociações; e não sabemos que resultados teriam.

    As pessoas que favorecem a saída oferecem fantasias sobre o estrago causado pela permanência e as oportunidades que a saída criaria. Nenhum desses argumentos tem muito mérito. A coisa racional a fazer é que o Reino Unido continue a desfrutar de seu arranjo único, que trouxe ao país as vantagens da adesão com muito poucas das desvantagens. Como nos dizem nossos amigos no exterior, fazer qualquer outra coisa seria loucura.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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