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    Martin Wolf

    Escolhas dolorosas ainda pendem sobre a Grécia

    08/06/2016 10h35

    Existe um caminho que permitiria fazer da Grécia uma economia bem-sucedida e capaz de se autofinanciar, dentro da zona do euro? O que seria necessário para colocar o país nesse caminho? Essas são as grandes questões sobre os problemas econômicos da Grécia e as relações terríveis do país com seus parceiros. Nenhuma delas tem muito a ver com o que está acontecendo —ou seja, "postergar e fingir": a zona do euro finge que a Grécia não lhe aplicou um calote; a Grécia finge que vai se reformar; e os dois lados esperam para ver o que o futuro trará.

    O que seria necessário para um acerto de contas honesto?

    Um ponto de partida deve ser a mais recente análise do FMI (Fundo Monetário Internacional) sobre a sustentabilidade da dívida. É possível resumi-la de modo muito simples: gostaríamos de nos desculpar pela bagunça que provocamos.

    O fundo admite que o programa de resgate implementado em 2010 era absurdamente irrealista. Além disso, o perdão parcial de dívidas imposto em 2011-2012 foi insuficiente, a menos que o observador acreditasse na plausibilidade de "todas as ambiciosas metas de crescimento, superavits fiscais e privatizações" propostos pelo governo grego, com o apoio de seus parceiros na zona do euro.

    Os acontecimentos subsequentes, porém, provaram que essas metas eram de fato inatingíveis. Por fim: em todas as áreas chave da política econômica - fiscal, trabalhista, estabilidade dos serviços financeiros e mercados de produtos e serviços - os planos vigentes das autoridades gregas ficam aquém do que seria necessário a atingir as ambiciosas metas fiscais e de crescimento estipuladas.

    Portanto, o que o relatório do FMI propõe é um esforço para voltar ao realismo. O estudo argumenta, corretamente, que a Grécia não atingirá um superávit fiscal primário sustentado (anterior aos juros) de 3,5%. O ajuste fiscal adicional de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) necessário a isso não vai acontecer.

    Seria uma tarefa difícil em qualquer lugar, mas em um país dotado de um sistema tributário e governo disfuncionais, e em meio a uma imensa crise, o objetivo está fora de questão. Em lugar disso, o FMI agora leva em conta um superávit primário da ordem de 1,5% do PIB.

    Além disso, o fundo rebaixou sua perspectiva de crescimento anual em longo prazo a 1,25%. E também presume que as taxas de juros sobre os títulos de dívida da zona do euro com classificação AAA terão de um dia subir ante os níveis atuais, o que conduziria a um aumento nos juros hoje cobrados da Grécia sobre sua dívida oficial com a zona do euro (uma média ponderada de 1,2%).

    Por fim, o estudo presume que a Grécia terá de pagar juros iniciais de 6% ao ano quando retornar ao mercado, em termos tanto do principal quanto das "necessidades brutas de financiamento", - os fundos requeridos para manter o serviço da dívida.

    A fim de tornar a dívida sustentável sem redução de seu valor de face —algo que os membros da zona do euro desejam evitar—, haveria necessidade de novos prolongamentos substanciais de vencimentos e extensão de prazos de pagamento, bem como adoção de taxas oficiais de juros de não mais de 1,5%. Na prática, os países membros da zona do euro teriam de cobrir os prejuízos do Mecanismo de Estabilidade Europeu, o fundo de resgate da União Europeia, com a adoção de uma taxa fixa de juros sobre os empréstimos à Grécia. Isso seria uma forma visível de "transferência da união".

    Esse cálculo é brutalmente pessimista, em lugar de fantasiosamente otimista. Mas será que é pessimista demais, e que requer ação imediata? O argumento em favor de que ele é pessimista demais dispõe que, com modestas melhoras e apoio renovado do BCE (Banco Central Europeu), a economia grega e com ela a posição da dívida do país pode terminar se saindo muito melhor do que o pretendido.

    Caso isso aconteça, os termos que Atenas poderia obter em sua captação junto ao setor privado seriam muito melhores. O argumento em favor de que a zona do euro pode esperar é o de que os pagamentos do serviço da dívida sobre a dívida oficial são tão favoráveis que não é necessária ação imediata. A melhor política é esperar, como quer Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão.

    Assim, o que se deve fazer, à luz de todas essas incertezas? Existem três opções realistas para a zona do euro.

    A primeira é continuar, como agora e provavelmente por décadas, a conceder assistência à Grécia pelos montantes necessários a manter o país na estrada, e ao mesmo tempo persistir na insistência em metas que propiciariam sustentabilidade mas jamais serão cumpridas. Enquanto isso, o governo grego continuará a se queixar como um contínuo adolescente sobre a mesquinharia daqueles que exercem tutela sobre o país.

    Uma segunda opção seria abandonar esse padrão de comportamento ao admitir que as metas de superávit primário propostas são irrealistas. Além disso, reduções permanentes no valor atual da dívida devem ser negociadas contra reformas bem concebidas, e aplicadas apenas depois de sua realização.

    As reformas devem envolver o estado da administração, o sistema tributário e o funcionamento do mercado. Mesmo reformas bastante modestas poderiam mudar para melhor a situação atual. Ao mesmo tempo, precisamos reconhecer que a Grécia enfrenta um desafio de desenvolvimento tão sério quanto o de ajuste macroeconômico. Instituições podem mudar, mas o fazem lentamente.

    Uma terceira opção, rejeitada até o momento pelo povo grego e a zona do euro, seria aceitar que o país não tem como prosperar dentro da zona do euro. O aspecto mais perturbador da situação macroeconômica grega é a posição externa do país, e não a posição fiscal, que é o foco do FMI.

    No entanto, a despeito da imensa depressão que o país já sofreu, a Grécia ainda não conseguiu superávit em seu comércio externo. Pior, os volumes de exportação estão mais ou menos estagnados; todos os ajustes terão de vir por meio de compressão das importações. Se o objetivo é promover a recuperação da demanda interna, o deficit no comércio externo certamente começaria a subir rapidamente. E quem financiaria esse deficit? Se ninguém o fizer, esse fator se provaria um obstáculo intransponível.

    A Grécia estaria paralisada em uma crise permanente. Existem apenas duas maneiras de escapar a isso: transferências permanentes ou uma imensa depreciação cambial. Esta última simplesmente não poderia acontecer com a velocidade necessária se o país se mantiver na zona do euro. A opção de uma saída grega da União Europeia ressurgiria, por mais difícil que fosse colocá-la em prática. ]

    Enquanto isso, o FMI precisa decidir sobre a sua posição. Agora, o fundo lançou um desafio à zona do euro. A Alemanha quer a participação do FMI, mas não quer cumprir suas exigências quanto à dívida. Assim, Berlim tem de escolher. Se o FMI não obtiver as concessões que deseja, a honra o obriga a se afastar da confusão na Grécia. E o fundo deveria fazê-lo. Mesmo que ele se prove incapaz de salvar a Grécia, pode ao menos se salvar.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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