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    Martin Wolf

    Como a Europa deveria responder ao Brexit

    06/07/2016 10h45

    Em outubro de 1996, quando o lançamento do euro estava se aproximando, argumentei que "a escolha iminente para o Reino Unido é estar dentro ou estar fora da União Monetária Europeia... A escolha será entre ter voz nos arranjos de governo da Europa ou não tê-la. Com o tempo, se tornará uma escolha entre ser parte da União Europeia ou ficar de fora dela".

    Concluí, por isso, que o Reino Unido deveria considerar aderir ao euro. Pouco mais tarde, mudei de ideia, argumentando que o país não teria como prosperar sob esse sistema. Acontecimentos subsequentes provaram que a avaliação era correta. Mas minha preocupação inicial também se viu justificada.

    O Reino Unido sempre se manteve parcialmente isolado da União Europeia, e agora está bem a caminho de se isolar totalmente. O divórcio pendente envolve um grande desafio para o país. Mas também cria desafios para a União Europeia. Para prosperar, talvez até para sobreviver, ela precisa mudar. A saída do Reino Unido é uma ameaça, mas talvez também uma oportunidade.

    Isso não significa argumentar que o divórcio tenha sido predestinado. Terminar onde terminamos foi resultado de uma série de acidentes, que incluem, especialmente, a espantosa incompetência de David Cameron, que está a ponto de deixar o posto de primeiro-ministro. Se apenas 2% das pessoas que votaram por sair tivessem escolhido permanecer, a permanência teria vencido.

    Se Cameron não tivesse vencido a eleição passada, o referendo não teria acontecido. Se David Milliband fosse o líder da oposição trabalhista, Cameron provavelmente não teria vencido a eleição. As variáveis são muitas. Mesmo assim, o desencanto do Reino Unido com o projeto europeu e a falta de fé britânica em seu propósito existencial sempre tornaram esse triste desfecho possível.

    Pode ser que a saída britânica da União Europeia (Brexit) não aconteça. O referendo, afinal, foi puramente consultivo. O Parlamento não tem obrigação de seguir seu resultado e, mais, o Parlamento atual não tem o poder de ditar decisões aos seus sucessores. Além disso, o referendo especificou apenas que o Reino Unido deveria deixar a União Europeia. Não indicou o que deixá-la significa.

    À medida que as escolhas se tornam mais claras para o público, este pode começar a se arrepender de sua decisão. Um novo referendo não é inconcebível, mas é altamente improvável. O custo político de ignorar, ou buscar reverter, o resultado excede o de aceitá-lo. Mesmo que esse não fosse necessariamente o caso, todos os candidatos à sucessão de Cameron assim acreditam.

    O Reino Unido está saindo. Essa tem de ser a suposição de seus parceiros na União Europeia, especialmente se o livre movimento de pessoas precisa continuar sendo um princípio inviolável. Assim, como deveria responder o restante do bloco?

    A saída quase certa do Reino Unido é uma ameaça para a União Europeia em duas dimensões.

    Primeiro, o Reino Unido é um vizinho, um mercado, um centro financeiro, um parceiro de segurança e um elo para com o mundo mais amplo. É do interesse da União Europeia criar um relacionamento mutuamente satisfatório, por mais irritantes que sejam os britânicos. Isso favorece a posição pragmática assumida por Alain Juppé, o pré-candidato favorito à indicação presidencial dos partidos de centro-direita franceses. Ele chega a sugerir que restrições ao livre movimento de pessoas poderiam ser negociadas. Caso isso proceda, a Brexit poderia ser evitada.

    Segundo, a Brexit é um precedente. O primeiro país a deixar a União Europeia seria inevitavelmente um exemplo para aqueles que desejem seguir seu caminho, e um alerta para quem se oponha a tanto. É natural que os opositores de uma saída busquem solapar a posição daqueles que simpatizam com ela ao punir o Reino Unido por sua decisão. Consigo compreender essa posição.

    A questão que eles deveriam se propor, porém, é se a melhor maneira de preservar a União Europeia é torná-la uma prisão, em lugar de um refúgio agradável. Não estou defendendo a indulgência. Mas argumentando contra o revanchismo.

    Sim, é compreensível que a União Europeia deseje tornar o populismo menos atraente. Mas a melhor maneira de fazê-lo seria dar aos europeus a segurança e a prosperidade que eles desejam. Um dos motivos para que tanta gente no Reino Unido tenha querido sair é que a União Europeia não é mais vista como capaz de cumprir suas promessas. Essa não é apenas uma dificuldade britânica, mas uma dificuldade sentida em todo o bloco.

    Assim, o desafio central para a União Europeia é fazer com que o bloco funcione - e pareça funcionar - em benefício da maioria dos cidadãos. Como argumenta Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, "o espectro de uma cisão apavora a Europa, e a visão de uma federação não me parece a melhor resposta a isso". É uma posição sensata. O fracasso da União Europeia não está em suas estruturas, mas em suas políticas. Ela precisa garantir legitimidade por meio de realizações práticas, e não por erosão adicional das autonomias nacionais.

    O exemplo mais gritante de fracasso recente aconteceu na zona do euro. O Reino Unido nada tem a ver com isso. A triste verdade é que, longe de lançar um período de prosperidade, o euro gerou um longo período de estagnação e de divergências fortes nos padrões de vida.

    Do primeiro trimestre de 2008 ao primeiro trimestre de 2016, o PIB (Produto Interno Bruto) agregado dos países da zona do euro cresceu em apenas 0,5%, e a demanda agregada real caiu em 2,4%. Isso é suficientemente desanimador. Ainda pior, de 2007 a 2016, a renda per capita real é avaliada como tendo subido 11% na Alemanha, ficado inalterada na França e caído em 8% na Espanha e 11% na Itália.

    Esses resultados alarmantes não são acidente. São o produto de um diagnóstico incorreto da crise como principalmente fiscal, de ajustes macroeconômicos assimétricos, e da oposição obscurantista a um estímulo fiscal, mesmo em uma época de taxas de juro reais negativas para a captação de longo prazo. A Alemanha se saiu bem com o euro. Seus principais parceiros, não. Essa divergência representa uma grande ameaça. Não existe plano efetivo para eliminá-la.

    É improvável que a União Europeia venha a ganhar a legitimidade propiciada pela prestação de contas democrática. Ela é grande e diversificada demais para isso. O melhor caminho para a legitimidade consiste, assim, de administrar os desafios práticos que ela enfrenta. Lidar com a migração é um desafio prático extremamente importante e difícil. Mas tornar a zona do euro próspera é indispensável. A saída britânica é um incômodo. A prioridade deve ser um plano prático para crescimento econômico amplamente compartilhado.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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