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    Martin Wolf

    A ira populista deveria servir de alerta às elites do planeta

    19/07/2016 17h40

    Joshua Roberts/Reuters
    Republican U.S. presidential candidate Donald Trump speaks at a campaign rally in Raleigh, North Carolina, U.S., July 5, 2016. REUTERS/Joshua Roberts ORG XMIT: JPR31
    O candidato republicano Donald Trump

    "Para cada problema complexo, existe um resposta clara, simples e errada". HL Mencken poderia estar pensando na política atual, ao escrever essa frase. O mundo ocidental indubitavelmente está diante de problemas complexos, especialmente a insatisfação de tantos de seus cidadãos. Da mesma forma, aspirantes ao poder, como Donald Trump nos Estados Unidos e Marine Le Pen na França, oferecem soluções claras, simples e erradas —a saber, nacionalismo, nativismo e protecionismo.

    Os remédios que eles oferecem são falsos. Mas as doenças são reais. Se as elites governantes continuarem a fracassar na oferta de curas convincentes, podem em breve se ver varridas do poder e, com elas, o esforço de combinar autogoverno democrático a uma ordem mundial aberta e cooperativa.

    Qual é a explicação para esse retrocesso? Grande parte da resposta deve ser econômica. A prosperidade crescente é um bem em si. Mas também cria a possibilidade de uma política que propicie ganhos sem perdas concomitantes. Isso embasa a democracia porque dessa forma se torna viável que todos melhorem de vida ao mesmo tempo. A prosperidade crescente facilita que as pessoas aceitam o desordenamento econômico e social. Sua ausência fomenta a ira.

    O McKinsey Global Institute ilumina vigorosamente o que vem acontecendo, em um relatório com o revelador título de "Mais Pobres que Seus Pais?", que demonstra a maneira pela qual muitos domicílios estão sofrendo de renda real estagnada ou em queda. Em média, entre 65% e 70% dos domicílios em 25 economias de alta renda passaram por isso entre 2005 e 2014. No período entre 1993 e 2005, no entanto, apenas 2% dos domicílios sofreram estagnação ou declínio em sua renda real. Isso se aplica à renda de mercado. Por causa da redistribuição fiscal, a proporção de domicílios que vieram a sofrer com a estagnação de sua renda real ficou entre os 20% e os 25%.

    O instituto examinou a satisfação pessoal dos respondentes em entrevistas com seis mil cidadãos britânicos, franceses e norte-americanos. A pesquisa constatou que a satisfação dependia mais de as pessoas terem avançado com relação à situação pregressa de pessoas semelhantes a elas do que de terem melhorado sua situação com relação a pessoas que vivem melhor do que elas hoje. Assim, os entrevistados prefeririam ter melhorado de vida ainda que isso não aproximasse seu padrão de vida daquele que as pessoas mais prósperas atingem. A renda estagnada incomoda as pessoas mais do que a desigualdade crescente. A principal explicação para essa estagnação prolongada nas rendas reais são as crises financeiras e subsequentes recuperações fracas. Essas experiências destruíram a confiança popular na competência e probidade das elites empresariais, administrativas e políticas. Mas outras mudanças também foram adversas. Entre elas estão o envelhecimento (especialmente importante na Itália) e a proporção decrescente dos salários na renda nacional (especialmente importante nos Estados Unidos, Reino Unido e Holanda).

    A estagnação na renda real por um período muito mais longo do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra Mundial é um fato político fundamental. Mas não é possível que seja o único fator a propelir o descontentamento. Para muita gente na porção central da distribuição de renda, as mudanças culturais também parecem ser ameaçadoras. O mesmo se aplica à imigração — a globalização em forma humana. A cidadania em suas nações é a propriedade mais preciosa da maioria dos cidadãos de países ricos. Eles se ressentem de ter de compartilhá-la com forasteiros. A votação britânica pela saída da União Europeia foi um alerta quanto a isso.

    O que se deve fazer, portanto? Se Trump se tornar presidente dos Estados Unidos, talvez seja tarde demais para fazer alguma coisa. Mas suponha que isso não aconteça ou, se acontecer, que o resultado não seja tão terrível quanto temo. O que se poderia fazer, então?

    Primeiro, compreender que dependemos uns dos outros para nossa prosperidade. É essencial equilibrar as asserções de soberania com os requisitos da cooperação mundial. A governança mundial, embora essencial, deve ser orientada a fazer coisas que os países não podem fazer por si. Seu foco deve ser fornecer bens globais essenciais. Hoje isso significa que a mudança no clima é prioridade mais alta que uma maior abertura do comércio mundial ou dos movimentos de capitais.

    Segundo, reformar o capitalismo. O papel do setor financeiro é excessivo. A estabilidade do sistema financeiro melhorou. Mas ele continua eivado de incentivos perversos. Os interesses dos acionistas recebem peso excessivo diante das demais partes interessadas em uma empresa.

    Terceiro, concentrar a cooperação internacional naquilo que ajude os governos a realizar importantes objetivos domésticos. Talvez o mais importante desses seja a tributação. Os detentores de riqueza, que dependem da segurança criada pelas democracias legítimas, não deveriam escapar à tributação.

    Quarto, acelerar o crescimento econômico e melhorar as oportunidades. Parte da resposta é apoio mais forte à demanda agregada, especialmente na zona do euro. Mas também é essencial promover o investimento e a inovação. Pode ser impossível transformar as perspectivas econômicas. Mas salários mínimos mais altos e créditos tributários generosos para os trabalhadores são ferramentas efetivas para elevar as rendas da porção inferior da pirâmide de distribuição.

    Quinto, combater os charlatões. É impossível resistir à pressão pelo controle do fluxo de trabalhadores não qualificados às economias avançadas. Mas isso não transformará os salários. Igualmente, proteções contra importações são custosas e fracassarão em elevar significativamente a proporção da indústria no emprego. É verdade que essa proporção é muito mais alta na Alemanha do que nos Estados Unidos ou Reino Unido. Mas a Alemanha registra grande superávit comercial e tem forte vantagem comparativa no setor manufatureiro. Esse estado de coisas não pode ser generalizado.

    Acima de tudo, é preciso reconhecer o desafio. Estagnação prolongada, inquietação cultural e fracassos nas políticas públicas estão se combinando para abalar o equilíbrio entre a legitimidade democrática e a ordem mundial. A candidatura de Trump é um resultado desse processo. Aqueles que rejeitam a resposta chauvinista devem propor ideias imaginativas e ambiciosas com o objetivo de restabelecer aquele equilíbrio. Não será fácil. Mas não há como aceitar um fracasso. Nossa civilização está em jogo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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