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    Martin Wolf

    A política monetária em um mundo de juros baixos

    14/09/2016 12h07

    Kai Pfaffenbach/Reuters
    Presidente do BCE, Mario Draghi: Banco Central Europeu é um dos que adotam políticas de juros baixos
    Presidente do BCE, Mario Draghi: Banco Central Europeu é um dos que adotam políticas de juros baixos

    Como escreveu Mohamed El-Erian, os bancos centrais são "a única parada na cidade". São certamente os principais jogadores no jogo da estabilização macroeconômica. Mas... eles sabem o que estão fazendo?

    Uma linha de ataque, popular entre os libertários, é a de que tentar estabilizar a macroeconomia é arrogância da parte dos bancos centrais, que deveriam ou ser abolidos ou seguir uma regra mecânica, por exemplo o padrão ouro.

    A lição da história parece absolutamente clara: uma democracia não aceitará que o dinheiro fique propositadamente fora de controle. Por enquanto, e pelo futuro previsível, continuaremos a viver em um mundo de política monetária. Mas, desde a crise financeira, os bancos centrais vêm fazendo coisas incomuns e impopulares. Em circunstâncias incomuns, isso era inevitável.

    Infelizmente, as circunstâncias incomuns agora parecem ter se tornado comuns. Os motivos para isso —e as implicações do fato— estão expostos com clareza em uma crítica de Lawrence Summers a uma palestra de Janet Yellen, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), no simpósio de Jackson Hole neste ano.

    Nas palavras dele, "combater a próxima recessão é o grande desafio de política monetária que o Fed tem de enfrentar". E ele acredita que o banco central esteja em uma posição perturbadoramente desfavorável para fazê-lo.

    O sintoma em geral mais importante quanto ao estado da economia mundial está nas taxas de juros de longo prazo baixas e nominais hoje vigentes. Mas elas representam uma continuação de tendências surgidas há quase 20 anos. Tanto um declínio sustentado nas taxas reais de juros quanto uma queda nas expectativas inflacionárias explicam essa tendência.

    A queda da inflação resulta em grande parte da política monetária. Mas a política monetária pode não ditar as taxas de juros reais, em longo prazo. De fato, as ações de política monetária podem não ter grande impacto mesmo em curto prazo. Há poderosos fatores reais em jogo.

    John Williams, do Fed de San Francisco, recentemente publicou um artigo sobre as taxas naturais de juros. Ele descreve esse conceito como a taxa de juros de curto prazo, ajustada pela inflação, que "equilibra a política monetária de maneira que não seja nem acomodatícia e nem contraditória". Em 2015, essa estimativa havia caído a 1,5% no Reino Unido, quase zero nos Estados Unidos e abaixo de zero na zona do euro. Nota: esses são níveis que se poderia esperar em uma recessão, e não em momentos normais.

    Os determinantes do declínio natural na taxa de juros natural (ou neutra) são forças que afetam a oferta e procura de fundos. Elas incluem o envelhecimento da população, a desaceleração no crescimento da produtividade, a queda de preços nos bens de investimento, a crescente desigualdade, o "excedente de poupança" mundial e a mudança de preferência em favor de ativos de menor risco.

    Um estudo conduzido pelo Banco da Inglaterra constatou que esses fatores podem explicar a maior parte da queda de 4,5 pontos percentuais que a taxa real de juros neutra sofreu, do começo dos anos 80 para cá.

    Tanto o forte declínio nas taxas estimadas de juros reais quanto a análise daquilo que o explica têm fortes implicações. A mais importante é que é difícil ver o que poderia reverter as tendências em curto prazo. É provável que tenhamos de conviver com taxas de juros ultrabaixas por um período prolongado. Isso significa que enfrentar a próxima recessão da maneira normal seria muito difícil.

    Suponha que as taxas de juros nominais de curto prazo estivessem pouco acima da taxa natural, no momento anterior à próxima recessão. Nos Estados Unidos, elas seriam de 3%, por exemplo. Na zona do euro, seriam ainda mais baixas. Mas, como mostra o discurso de Yellen, em todas as recessões norte-americanas desde o final dos anos 60, as taxas de juros caíram em pelo menos cinco pontos percentuais. Isso pareceria indicar a necessidade de taxas de juros fortemente negativas.

    O Fed está certo de que a gama de instrumentos de que dispõe funcionaria, nessas circunstâncias. Mas, como aponta Summers, há bons motivos para questionar se seria esse o caso: a eficácia de compras de ativos em larga escala é discutível (e os efeitos colaterais delas sobre os mercados talvez sejam prejudiciais), enquanto a viabilidade política e institucional de taxas de juros fortemente negativas também é questionável.

    Presumivelmente por esses motivos, Williams argumenta que "uma política fiscal que contrarie o ciclo econômico deveria ser o nosso equivalente a uma primeira resposta, em caso de recessão". De fato, tornar possível essa resposta deveria ser a maior prioridade para as autoridades econômicas.

    Também relevantes são formas de política monetária que complementem a política fiscal ou até mesmo sirvam como alternativa a ela. "Jogar dinheiro do helicóptero" —apoio direto ao consumo - é uma possibilidade evidente. Também seria possível elevar as metas de inflação ou os níveis de preços adotados como metas, em lugar disso. Acima de tudo, é necessário evitar a suposição de que tudo ficará bem. É necessário que preparemos hoje o kit de ferramentas do futuro. E ele pode ser necessário dentro de muito pouco tempo.

    Dois outros pontos emergem. O primeiro envolve o que fazer agora. Acima, presumi que os juros tivessem subido substancialmente, antes da próxima recessão. No entanto, isso seria muito mais provável se a economia fora autorizada a acumular impulso substancial.

    Altas prematuras nas taxas de juros podem causar desaceleração mais rápida do que as pessoas esperam e colocar os bancos centrais na pior situação possível: a de terem de enfrentar uma recessão enquanto os juros continuam muito baixos.

    Por esse motivo, com o argumenta Lael Brainard, presidente de uma das unidades regionais do Fed, "os custos para a economia de uma demanda com força superior à esperada provavelmente serão mais baixos do que os custos de uma fraqueza significativa e inesperada na demanda". A política mais arriscada é um aperto monetário que venha cedo demais, e não tarde demais.

    O segundo ponto é que uma meta dominante da política econômica deveria ser, agora, a de enfrentar as causas das taxas de juros naturais ultrabaixas. Equiparar os deficit fiscais maiores com investimento público mais alto seria uma dupla benção. Isso não só tornaria mais fácil o trabalho das autoridades monetárias como, se feito do jeito certo, também poderia elevar o potencial de crescimento. Uma visão generalizada é a de que o investimento público deve sempre ser perdulário.

    Mas isso é pessimista demais. Historicamente, o investimento público muitas vezes serviu como catalisador do investimento privado. As taxas de juros notavelmente baixas que temos hoje significam que um grande esforço de investimento público jamais foi mais oportuno. Os bancos centrais não deveriam continuar a ser a única parada na cidade.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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