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    Martin Wolf

    A insensata guerra contra os juros baixos

    19/10/2016 10h44

    Kai Pfaffenbach/Reuters
    Juros baixos que vigoram em algumas partes do mundo sofrem ofensiva de grupos influentes
    Juros baixos que vigoram em algumas partes do mundo sofrem ofensiva de grupos influentes

    Muitos grupos de interesses influentes e formadores de opinião detestam as taxas de juros ultrabaixas que vigoram hoje em dia. Eles também veem um culpado muito claro: os bancos centrais.

    A primeira-ministra britânica Theresa May entrou na luta, argumentando que "embora a política monetária tenha... fornecido o medicamento de emergência necessário depois do colapso financeiro, temos de reconhecer que houve alguns efeitos colaterais negativos. As pessoas dotadas de ativos ficaram mais ricas. As pessoas desprovidas deles sofreram. As pessoas que tinham hipotecas viram suas dívidas cair de custo. As pessoas que tinham economias guardadas se viram mais pobres. É preciso mudar".

    Mas de que forma o governo poderia promover essa mudança? A resposta não é óbvia. Como aponta Ben Broadbent, vice-presidente do Banco da Inglaterra, as taxas reais de juros de longo prazo caíram a zero (ou menos) ao longo dos últimos 25 anos.

    Além disso, como destaca o FMI (Fundo Monetário Internacional), a inflação nos preços básicos vem sendo persistentemente baixa nas economias de alta renda. Broadbent argumenta: "Com a inflação relativamente estável em todos esses países, é difícil acreditar que os bancos centrais estejam fazendo mais do que... acompanhar um declínio semelhante na taxa neutra de juros".

    À primeira vista, portanto, os bancos centrais estão apenas seguindo as forças reais da economia enquanto levam em conta, como deveriam, a recente fraqueza na demanda causada pela crise financeira e pelo acúmulo excessivo de dívidas privadas que a precedeu.

    Uma indicação dessa fraqueza da demanda é a persistência de superavits financeiros (excedentes de renda com relação aos gastos) nos setores privados das economias de alta renda —especialmente no Japão, Alemanha e zona do euro—, a despeito das taxas de juros ultrabaixas. É por isso que o Banco do Japão e o BCE (Banco Central Europeu) continuam a adotar políticas especialmente agressivas.

    Dados esses antecedentes —a queda sustentada nas taxas de juros reais, a inflação cronicamente baixa e a demanda privada débil—, será que existe um conjunto confiável de políticas alternativas?

    Uma das formas de objeção às políticas atuais representa basicamente um uivo de dor: as baixas taxas de juros solapam os modelos de negócios dos bancos e seguradoras, baixam a renda dos poupadores, devastam a solvência dos sistemas de pensão, elevam os preços dos ativos e agravam a desigualdade.

    Como apontou recentemente o presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, a política monetária tem consequências distributivas, mas "cabe ao governo em seu sentido mais amplo compensá-las, se assim determinar".

    É duvidoso que o governo deva empregar recursos fiscais para compensar pessoas que detém grandes montantes em contas de poupança. Elas dificilmente estão entre os cidadãos mais pobres. Além disso, na medida em que juros baixos promovem uma recuperação da economia, quase todo mundo se beneficia.

    As consequências distributivas da política monetária posterior à crise financeira também são complexas. No Reino Unido, a distribuição de renda parece ter se tornado menos desigual, mas a distribuição de riqueza vem seguindo o caminho oposto, desde a crise. As taxas de juros mais baixas não precisam necessariamente agravar o deficit dos fundos de pensão; isso depende do que acontece ao valor dos ativos que os fundos de pensão detenham.

    Normalmente, taxas de juro mais baixas deveriam elevá-los. O que reduziria tanto as taxas de juros quanto o preço dos ativos é um pessimismo maior sobre as perspectivas econômicas. Os bancos centrais não causam esse pessimismo, e na verdade tentam compensá-lo. Por fim, o impacto dos juros baixos, e mesmo de taxas nominalmente negativas, sobre o modelo de negócios dos intermediários financeiros só pode ser enfrentado por meio da mudança desses modelos, ou pela eliminação da necessidade de juros tão baixos.

    Um conjunto mais convincente de objeções é o de que a superestrutura política ou a visão de como funciona a política monetária é incorreta.

    O cerne da estrutura são as metas de inflacionárias, que podem de fato causar problemas —especialmente se o impacto da política monetária sobre as finanças for ignorado, como aconteceu antes da crise. Mas é impossível acreditar que a deflação torne mais fácil administrar uma economia mundial caracterizada por demanda extremamente fraca. Pelo contrário: a deflação poderia tornar necessárias taxas nominais de juros altamente negativas. Isso seria difícil em termos práticos e em termos políticos. Não só manter a meta inflacionária, mas atingi-la, é essencial.

    Há até quem argumente que as taxas baixas de juros enfraquecem a demanda ao reduzir o consumo, restringir o crescimento da produtividade e estimular o endividamento privado. Mas não existe motivo claro para que os juros baixos devam reduzir os gastos agregados, porque eles simplesmente transferem renda dos credores aos devedores. Os juros baixos também tornam a captação mais barata. Isso deveria estimular os investidores e com isso elevar o crescimento da produtividade.

    Os juros baixos na verdade têm por objetivo tornar as dívidas mais suportáveis, e encorajar a captação e o consumo. Se o governo desgosta desse mecanismo, precisa substituir o endividamento privado pelo endividamento público, idealmente em apoio ao investimento em infraestrutura. Além disso, são necessárias reformas estruturais, especialmente na tributação, para encorajar o investimento privado e desencorajar a poupança. Entre os países grandes e de alta renda, a Alemanha e o Japão são os que mais precisam dessas reformas.

    O que May fez até agora foi causar confusão. É um erro que um chefe de governo critique um banco central por seus esforços para atingir uma meta que o governo mesmo estabeleceu. Além disso, não existe um bom motivo para acreditar que o Banco da Inglaterra está seguindo o caminho errado para cumprir sua missão. No entanto, se o governo deseja mudar essa missão, é necessário pensar cuidadosamente. Todas as mudanças criam grandes riscos.

    Comentários impensados são simplesmente a maneira errada de iniciar o processo, especialmente diante da saída britânica da União Europeia. Por fim, se o governo deseja proteger aqueles que saem perdendo com a atual política monetária, precisa pesar o custo disso diante de outras reivindicações quanto a seus escassos recursos.

    Se, no entanto, o governo deseja reduzir a carga que a política monetária precisa carregar, devemos todos gritar "aleluia!". Já é mais que hora que os governos examinem a combinação de política fiscal, reestruturação de dívida e reformas estruturais que poderia ajudar os bancos centrais a produzir o vigoroso crescimento econômico de que a economia mundial ainda precisa.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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