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    Martin Wolf

    Crescimento lento veio para ficar, no comércio internacional

    25/10/2016 17h17

    How Hwee Young/Reuters
    U.S. President Barack Obama and Chinese President Xi Jinping shake hands during their meeting ahead of the G20 Summit at the West Lake State Guest House in Hangzhou, China, September 3, 2016. REUTERS/How Hwee Young/Pool ORG XMIT: PEK29
    Presidente Americano Barack Obama e o chinês Xi Jinping na reunião do G20

    A globalização está entrando em reversão? Não, mas ela perdeu dinamismo, especialmente no caso do comércio internacional, que serviu como motor para a integração econômica do planeta durante décadas.

    A questão, porém, é determinar por que o crescimento do comércio internacional caiu. Será porque a economia mundial se desacelerou? Porque certas oportunidades se esgotaram? Ou será que é por conta do protecionismo? A resposta às três perguntas, sugere o Fundo Monetário Internacional (FMI) em seu mais recente "Panorama Econômico Mundial", é,"sim", em graus variados.

    Entre 1960 e 2015, o comércio internacional cresceu em média 6,6% ao ano, em termos reais, enquanto o produto bruto crescia em média 3,5%. Entre 2008 e 2015, porém, o crescimento médio do comércio mundial foi de apenas 3,4% em termos reais, ante 2,4% de crescimento na produção. Não só o crescimento do comércio se desacelerou mas a disparidade entre o crescimento do comércio internacional e a do produto bruto se reduziu acentuadamente.

    Jason Reed/Reuters
    A China Shipping Line container ship sails out from Sydney's Botany Bay port in Australia's largest city, June 6, 2016. Picture taken June 6, 2016. REUTERS/Jason Reed ORG XMIT: SYD02
    Contêiner chinês sai do porto de Sidney, na Austrália

    O FMI conclui que o crescimento fraco no volume de comércio internacional é em larga medida resultado de uma desaceleração sincronizada no crescimento das economias avançadas e emergentes. O estudo também acrescenta que "no que tange aos bens, o crescimento do comércio caiu em 85% das linhas de produtos, e a mais acentuada desaceleração foi observada no segmento de bens intermediários e bens de capital".

    A desaceleração no investimento surgida depois da crise foi, com isso, especialmente significativa, argumenta o FMI, porque afeta mais pesadamente as importações. A mudança na composição do produto bruto mundial ajuda a explicar porque a desaceleração no comércio internacional foi proporcionalmente maior que a queda na produção. No total, "até três quartos do declínio no crescimento da importação de bens físicos, entre 2003 e 2007 e 2012 e 2015, pode ser atribuído à desaceleração na atividade econômica".

    Essa análise sugere que o comércio mundial vá se recuperar, desde que a economia mundial e o investimento também o façam. Mas a posição não pode ser resumida de maneira tão simples. O FMI também se concentra em dois outros fatores que demonstra serem importantes: protecionismo e a suspensão, pós-crise, da tendência de longo prazo a um comércio internacional maior dentro das "cadeias de valor".

    A divisão de trabalho entre as economias, sob a qual algumas produzem componentes que serão montados em outras, criou um comercio internacional maior dentro dessas cadeias de produção, de 1990 em diante. Isso pode ser medido pelo teor de componentes importados contidos nas exportações de um país, e pelo teor de componentes nacionais exportados e usados por parceiros comerciais externos na fabricação de seus produtos, tudo isso divido pelas exportações brutas. Até 2008, essa relação subiu, mas está estagnada desde então. Isso marca no mínimo uma interrupção em uma forma significativa de integração transnacional da produção.

    A história quanto ao protecionismo também pode estar em parte relacionada às cadeias de valor. Mas ela é mais nuançada, nesse caso. A queda nas tarifas médias de importação se deteve no começo dos anos 2000, quando as reduções acordadas durante a Rodada Uruguai de negociações de comércio internacional e os efeitos da adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) foram plenamente incorporados.

    Também existem indicações de uma recente ascensão nas barreiras não tarifárias ao comércio internacional. Ao mesmo tempo, a cobertura dos acordos internacionais de livre comércio continuou a crescer, se bem que em ritmo ligeiramente mais lento. O destino dos mais ambiciosos desses arranjos, a PTT, ou Parceria Transpacífico (sobre a qual já existe acordo, embora ainda não ratificado), e a TTIP, ou Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (que está muito longe de um acordo), continua completamente incerto.

    Por esses motivos, aponta o FMI, o ritmo de crescimento das importações entre 2012 e 2015 ficou cerca de 1,75 ponto percentual abaixo, em média, do que se poderia esperar com base na razão histórica entre os fluxos de comércio internacional e a atividade econômica mundial. Também é possível que a desaceleração no comércio internacional tenha, por sua vez, contribuído para fraquezas no crescimento, o que inclui o crescimento da produtividade.

    Assim, o que poderá acontecer no futuro?

    Os obstáculos políticos a grandes acordos novos de liberalização do comércio internacional –quer multilaterais (no âmbito da OMC), quer plurilaterais (como a TPP e a TTIP)– aumentaram muito. Isso acontece em parte porque o entusiasmo pela liberalização comercial não é grande. Mas também se deve aos acordos de comércio internacional virem acompanhados de bagagem regulatória em geral supérflua: os direitos de propriedade intelectual são um exemplo, a proteção conferida a investidores, outro.

    Hoje, aliás, muita gente argumenta que os procedimentos de resolução de disputas entre investidores e Estados incluídos em muitos acordos de comércio internacional representam uma violação da soberania democrática. O parlamento da Valônia (parte da Bélgica) acaba de bloquear um "acordo abrangente de economia e comércio" entre o Canadá e a União Europeia exatamente por esse motivo.

    Greg Baker / AFP
    (Front row L-R) Brazil's President Michel Temer, Indonesia's President Joko Widodo, Mexico's President Enrique Pena Nieto, South Africa's President Jacob Zuma, US President Barack Obama, German Chancellor Angela Merkel, China's President Xi Jinping, Turkey's President Recep Tayyip Erdogan, Russia's President Vladimir Putin, French President Francois Hollande, South Korea's President Park Geun-Hye, Argentina's President Mauricio Macri, India's Prime Minister Narendra Modi; (2nd Row L-R) Saudi Arabia's Deputy Crown Prince and Minister of Defense Muhammad bin Salman Al Saud, Britain's Prime Minister Theresa May, Australia's Prime Minister Malcolm Turnbull, Italy's Prime Minister Matteo Renzi, Laos' President Bounnhang Vorachith, Kazakhstan's President Nursultan Nazarbayev, Chad's President Idriss Deby, Senegal's President Macky Sall, Egypt's President Abdel Fattah al-Sisi, Japan's Prime Minister Shinzo Abe, Canadian Prime Minister Justin Trudeau, European Council President Donald Tusk, President of the European Commission Jean-Claude Juncker; (3rd row L-R) Argentina's President Mauricio Macri, (unknown), IMF Managing Director Christine Lagarde, Thailand's Prime Minister Prayut Chan-O-Cha, Singapore's Prime Minister Lee Hsien Loong, Spain's Prime Minister Mariano Rajoy, UN Secretary-General Ban Ki-Moon, and three others pose for family photo in Hangzhou on September 4, 2016. World leaders are gathering in Hangzhou for the 11th G20 Leaders Summit from September 4 to 5. / AFP PHOTO / Greg BAKER
    Líderes de Estados durante reunião do G20 na China

    Ainda mais ameaçadora que essa relutância em liberalizar é a ascensão de formas primitivas de protecionismo escancarado. Donald Trump, o indicado do Partido Republicano à presidência dos Estados Unidos, se destaca na defesa desses argumentos.

    De fato, ele sugere que bloquear importações poderia magicamente recriar empregos industriais que existiam quando, em sua visão, os Estados Unidos eram "grandes". Mas como aponta Jagdish Bhagwati, da Universidade Colúmbia, "o declínio do emprego industrial vem acontecendo há mais de meio século". A participação do setor no emprego caiu em companhia da queda da participação da produção industrial no produto bruto norte-americano, ainda que em ritmo mais rápido, devido ao rápido crescimento da produtividade no setor. Não há política comercial capaz de reverter essa tendência, propelida por mudanças na demanda e na tecnologia. A produção industrial está simplesmente seguindo o mesmo caminho um dia percorrido pela agricultura.

    Com sorte, esse protecionismo simplório fracassará politicamente: ele certamente é incapaz de resolver os problemas dos trabalhadores agora desempregados e das pessoas que aspiram a um emprego. O comércio internacional começaria a crescer mais rápido se o crescimento econômico mundial se acelerasse.

    Mas um mundo no qual o comércio internacional cresça muito mais rápido que o produto bruto é algo que provavelmente ficou no passado, em parte porque as oportunidades para expansão de comércio internacional diminuíram e em parte porque a era da liberalização comercial em larga escala se encerrou. Além disso, se vier a ser retomada, provavelmente o será pelos gigantes asiáticos –China e Índia. Os dias de liderança do Ocidente no comércio internacional parecem, infelizmente, estar encerrados.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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