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    Martin Wolf

    É espantoso que o clima mal apareça no debate entre Hillary e Trump

    02/11/2016 18h49

    François Guillot - 12.dez.2015/AFP
    Demonstrators dressed-up as polar bears take part to a rally called by several Non Governmental Organisations (NGO) to form a human chain on the Champs de Mars near the Eiffel Tower in Paris, on December 12, 2015 on the sidelines of the COP21, the UN conference on global warming. French hosts submit the final version of a global climate-saving pact to negotiators at UN Conference on december 12. The goal is for ministers to approve the agreement by the end of the day but that could be extended one more day. / AFP / FRANCOIS GUILLOT ORG XMIT: FG5932
    Manifestantes protestam durante a 21ª Conferência das Partes (COP21), em Paris

    A natureza não se importa com o que você pensa sobre ela. De fato, a natureza não se importa conosco, de maneira alguma. Mas nós deveríamos nos importar com a natureza. Acima de tudo, deveríamos cuidar da natureza se as nossas ações a estão afetando de maneira adversa.

    A maneira mais importante pela qual afetamos a natureza é provavelmente o clima. Mas nossa resposta se resume a negação tola e esperanças ingênuas. Isso não impressionará a natureza.

    O que a natureza está fazendo agora é aquecer o planeta. Quanto a isso, não restam dúvidas sérias. A "pausa" no aquecimento global entre 1998 e 2013 está definitivamente encerrada. Mesmo antes do recorde de calor registrado recentemente, a ideia de uma pausa era absurda.

    Em 1998, tivemos um forte El Niño —e um dos traços que caracterizam o fenômeno são temperaturas mundiais elevadas. O notável é que os anos posteriores a 1998 tenham continuado igualmente quentes.

    Tanto no ano passado quanto neste, com mais um El Niño forte, a temperatura bateu recordes. Uma linha reta entre os picos de temperatura de janeiro de 1958 a fevereiro de 2016 se sobrepõe à temperatura de todos os meses intervenientes.

    O mesmo vale para uma linha traçada de março de 1990 a fevereiro de 2016. As médias móveis para prazos de 12 e de 60 meses oferecem quadro semelhante. Não está acontecendo qualquer desaceleração no ritmo subjacente de alta da temperatura.

    Depois do El Niño em curso, outra suposta pausa pode acontecer —mas provavelmente com nível de temperatura mais elevado do que na pausa anterior.

    Da mesma forma que o planeta está atingindo picos de temperatura (com relação à média entre 1951 e 1980 e aos níveis da era pré-industrial), está atingindo um pico de concentração de gás carbônico na atmosfera.

    Este ano, a média mundial seguramente ultrapassará as 400 partes por milhão, o que fica mais de 40% acima do nível pré-industrial.

    Dado o aspecto físico bem conhecido do efeito-estufa, a relação de causa e efeito entre as crescentes concentrações dos gases causadores do efeito estufa e a temperatura em alta constante deve ser considerada no mínimo como absolutamente plausível.

    Por fim, também sabemos que a alta na concentração de dióxido de carbono certamente continuará, e por muito tempo. Isso acontece porque as emissões mesmas continuam a subir, a despeito do muito que se fala sobre controlá-las.

    Portanto, não só o estoque de dióxido de carbono na atmosfera continua a crescer como o fluxo de emissões relacionado às atividades humanas também o faz.

    É notável que, dadas essas verdades simples, a questão da mudança no clima mal tenha sido mencionada nos debates presidenciais norte-americanos. Isso não aconteceu porque a questão não importa. E não aconteceu porque os candidatos não discordam. Aconteceu porque pouquíssima gente deseja pensar sobre as implicações dessas realidades.

    As duas respostas dominantes à evidente realidade dos riscos quanto ao clima envolvem negação. Mas são formas muito diferentes de negação. Gosto de pensar nelas como "negação maior" e "negação menor".

    A "negação maior" vem da direita. Começa por dois fatos e uma suposição. O primeiro fato é que muitas das pessoas que levam a mudança no clima a sério suspeitam muito da —ou são abertamente hostis à— economia de mercado.

    O segundo fato é que a mudança no clima implica na existência de um custo colateral pesado para as atividades econômicas propelidas pelo mercado. A suposição é de que fazer qualquer coisa para mitigar a mudança no clima tornaria necessária imensa interferência na economia de mercado e imporia custos econômicos pesados.

    A conclusão natural é a de que a ideia de mudanças no clima causadas pela atividade humana representa claramente uma fraude, porque a possibilidade de que seja verdade é dolorosa demais para contemplar.

    Seria possível, para aqueles que não desejam ação, concordar, em lugar disso, que a mudança no clima é verdade, mas não requer ação. O lado negativo disso é que essa postura tornaria obrigatório discutir por que a inação faz sentido.

    A "negação menor" vem daqueles que reconhecem os perigos evidentes, mas argumentam que enfrentar a mudança no clima de maneira efetiva é um desafio simples e de custo relativamente baixo. Isso é igualmente implausível.

    Mesmo que, como alguns argumentam, as tecnologias necessárias para sustentar o crescimento econômico e eliminar gradativamente as emissões de carbono já existam ou estejam chegando, e a custo cada vez mais baixo, o custo político, social e econômico de contrariar definitivamente essas tendências é assustador.

    Torna-se fácil demais simplesmente aplaudir o que não passam de gestos na direção de enfrentar os riscos do clima, como se eles fossem a coisa real.

    O muito elogiado Acordo de Paris, de dezembro de 2015, é não só impotente, mas ficaria bem aquém do necessário para conter a alta da temperatura mundial abaixo dos dois graus centígrados, quanto mais mantê-la abaixo do 1,5 grau, meta vista como mais desejável.

    É preciso haver um esforço mundial com a escala e urgência necessárias. De outra forma, nada de relevante acontecerá.

    A "negação maior" garante o fracasso. É o que um presidente Donald Trump levaria com ele à Casa Branca. Se ele vencer, os Estados Unidos presumivelmente abandonariam os modestos passos dados pelo presidente Barack Obama.

    Mas os Estados Unidos não só são os responsáveis pelo segundo maior volume de emissões como também um dos maiores emissores em termos per capita. Sem os Estados Unidos, os esforços para reduzir o risco climático estariam mortos. Que isso não tenha sido considerado digno de inclusão nos debates é espantoso.

    Uma presidente Hillary Clinton não seria culpada de "negação maior", mas provavelmente praticaria a "negação menor", trocando políticas capazes de trazer mudanças por simples gestos simbólicos.

    De fato, se não houver ao menos um começo para um sistema que requereria pagar para poluir, e esforços determinados para desenvolver tecnologias muito mais rápido, a mudança de tendência necessária não surgiria em tempo. O mundo teria, com isso, de se adaptar às mudanças no clima que foi incapaz de mitigar.

    É impossível ter uma política norte-americana ou uma política chinesa para o clima. É necessário que haja uma política mundial. Muita coisa mudou nas atitudes desde que o governo britânico publicou o relatório Stern, 10 anos atrás. Mas pouco mudou na prática.

    Apenas se reconhecermos e agirmos coletivamente sobre as realidades, começando já, haverá probabilidade de grandes mudanças. Quanto a isso, continuo pessimista.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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