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    Martin Wolf

    Os problemas econômicos que aguardam o novo presidente dos EUA

    08/11/2016 19h16

    AFP
    Republican presidential nominee Donald Trump arrives for a rally at the J.S. Dorton Arena in Raleigh, North Carolina on November 7, 2016. Hillary Clinton and Donald Trump battled for votes on a frenzied final day of campaigning Monday, telling Americans the country's fate rides on who they choose as the next US president. / AFP PHOTO ORG XMIT: MNN117 ----------//-------------- Democratic presidential nominee Hillary Clinton speaks during a rally outside the University of Pittsburgh's Cathedral of Learning November 7, 2016 in Pittsburgh, Pennsylvania. / AFP PHOTO / Brendan Smialowski
    Donald Trump e Hillary Clinton, candidatos à Presidência dos EUA

    Em terra de cego, quem tem olho é rei. A economia dos Estados Unidos mostra falhas significativas. Mas continua a ser rainha, se comparada às suas pares.

    Recuperou-se da Grande Recessão (2008), com desemprego baixo e alta na renda real. Também desfruta de supremacia duradoura quanto às novas tecnologias.

    Mesmo assim, o próximo governo assumirá um país com crescimento medíocre de produtividade, alta desigualdade, recusa crescente de participar do mercado de trabalho e queda no ritmo de criação de novos negócios e novos empregos. Pelo menos a posição fiscal norte-americana não representa uma ameaça verdadeiramente urgente. Isso é um ponto positivo, porque é pouco provável que alguma coisa seja feita quanto a ela.

    A crise financeira de 2007-2009 foi um evento devastador, em termos econômicos e políticos. Mas a renda per capita real já havia atingido seu ponto máximo de queda no segundo trimestre de 2009 e recuperou o nível que tinha antes da crise no trimestre final de 2013.

    De forma semelhante, o desemprego chegou a um pico de 10% em outubro de 2009, mas agora recuou a 4,9%. O setor financeiro também tem saúde muito melhor hoje do que tinha durante a crise.

    Muitos observadores casuais consideram que rápida recuperação surgiu automaticamente. Mas a Grande Recessão poderia ter se tornado uma segunda Grande Depressão.

    Foram necessárias medidas ousadas do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), do governo de George W. Bush e do governo de Barack Obama para promover uma recuperação econômica tão rápida. Todo mundo se beneficiou bastante desse sucesso.

    Mesmo assim, a crise deixou cicatrizes profundas. No segundo trimestre de 2016, a renda per capita estava apenas 4% acima de seu pico anterior à crise, surgida quase nove anos antes. A produtividade da mão de obra vem crescendo lentamente desde a crise, pelos padrões históricos, em larga medida como resultado de um enfraquecimento no investimento.

    Um estudo estima que o potencial de produção dos Estados Unidos esteja 7% abaixo dos níveis sugeridos pelas tendências anteriores à crise. Mas o crescimento médio da produtividade da mão de obra norte-americana, ainda que esteja se reduzindo aos poucos, excedeu o de todas as demais economias de alta renda nos últimos 15 anos.

    Isso se deve, provavelmente, ao domínio que o país exerce sobre a inovação na alta tecnologia: a capitalização agregada das cinco maiores companhias norte-americanas de tecnologia agora excede os US$ 2,2 trilhões.

    No entanto, novas cicatrizes deixadas pela crise, que incluem uma redução da confiança na probidade e competência das elites financeiras, intelectuais e governamentais, vieram se somar aos problemas existentes.

    A renda domiciliar média dos Estados Unidos cresceu em 5,2% de 2014 a 2015. Mas continua abaixo dos níveis anteriores à crise. De fato, está abaixo de níveis atingidos no ano 2000, e caiu até com relação à renda per capita real mantida consistentemente desde a metade dos anos 70.

    Esse desempenho ajuda a explicar a maré de desilusão, ou até mesmo desespero, revelada de maneira tão severa pela atual, e sombria, eleição.

    Não surpreende que a desigualdade tenha se agravado severamente. Entre 1980 e o período mais recente, a participação do 1% mais endinheirado da população norte-americana na renda nacional anterior aos impostos cresceu de 10% para 18%. Mesmo depois dos impostos, ela subiu em um terço, de 8% para 12%.

    A alta na remuneração dos presidentes de empresas, comparada à dos trabalhadores, foi imensa. Os Estados Unidos registram a maior desigualdade entre todos os países de alta renda, e viram a mais rápida ascensão da desigualdade entre as setes maiores economias de alta renda.

    A divergência entre os países desse grupo sugere que a desigualdade crescente é muito mais uma escolha social do que um imperativo econômico.

    Um fator estreitamente associado a essa crescente desigualdade é o declínio da participação dos trabalhadores no PIB, de 64,6% em 2001 a 60,4% em 2014.

    Os trabalhadores sofreram não só com a redução da sua fatia como, de forma igualmente significativa, com a alta no número de homens entre os 25 e os 54 anos que estão desempregados e deixaram de procurar emprego. Essa categoria representava 3% dos homens dos Estados Unidos nos anos 50 e hoje representa 12%.

    Até mesmo a França apresenta nível de emprego mais alto para os homens dos 25 aos 54 anos que os Estados Unidos, em todos os anos desde 2001.

    De 1990 para cá, os Estados Unidos viram a segunda maior queda em participação masculina na força de trabalho, entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

    Depois de 2000, a queda da participação feminina na força de trabalho se reverteu. A proporção de mulheres excluídas da força de trabalho dentro dessa categoria etária está hoje entre as menores da OCDE nos Estados Unidos.

    Não menos perturbadora é a queda no dinamismo econômico. O índice de criação de empregos novos se desacelerou acentuadamente, e os índices de migração interna também caíram.

    O ritmo de ingresso de novas empresas no mercado também vem caindo já há muito tempo, e a participação de empresas com menos de cinco anos de idade no número total de empresas e na proporção de trabalhadores empregados caiu igualmente.

    Enquanto isso, o investimento fixo das empresas continua persistentemente fraco. Os indicadores também sugerem variação crescente no retorno sobre o capital. Essas são tendências de longo prazo, e não eventos pós-crise.

    Essa perda de dinamismo pode não se relacionar apenas ao declínio no crescimento da produtividade, mas também a mudanças na distribuição de renda. Se a pressão competitiva está em queda, posições monopolistas ou monopsonistas (de comprador único) surgirão ou ganharão força.

    O colapso do sindicalismo e a queda dos salários mínimos relativos reforçam a assimetria entre o poder das empresas e dos trabalhadores no mercado.

    Os direitos de propriedade intelectual também podem ser uma grande barreira à competição. A ascensão de novas barreiras regulatórias é perturbadora.

    Entre as mudanças notáveis está a alta na proporção de trabalhadores cujas licenças ocupacionais têm âmbito apenas estadual. Esse tipo de licença representa um grande obstáculo ao movimento interestadual.

    Apesar de todos os seus pontos fortes, a economia dos Estados Unidos poderia estar melhor. Além das tendências identificadas acima, a deterioração da infraestrutura, a piora no desempenho educacional relativo e um código tributário péssimo representam desafios.

    Proibir a entrada de imigrantes e de produtos importados poderia causar estrago. Os Estados Unidos devem reforçar seus pontos fortes históricos: uma economia dinâmica acompanhada pela provisão de infraestrutura, pesquisa e educação pelo governo, bem como por um código tributário e políticas regulatórias bem equilibrados.

    O novo governo precisa diagnosticar os problemas corretamente e obter a cooperação do Congresso. E porcos também podem voar.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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