• Colunistas

    Wednesday, 01-May-2024 05:48:37 -03
    Martin Wolf

    Futuro do planeta depende da cooperação dos EUA e da China

    22/03/2017 10h15

    O futuro de nosso planeta depende pesadamente das relações entre os Estados Unidos, um país jovem e atual superpotência do planeta, e a China, um antigo império e superpotência em ascensão. Para tornar esse relacionamento especialmente difícil, tivemos a eleição de Donald Trump, um populista xenófobo, nos Estados Unidos, e a ascensão de Xi Jinping, um autocrata centralizador, na China.

    Igualmente contrastantes, porém, são as perspectivas dos dois líderes quanto à economia mundial. Quarenta anos atrás, Mao Tsé-Tung governava a China, seu objetivo era a autarquia. Desde 1978, no entanto, o tema central da política econômica chinesa vem sendo a "reforma e abertura" proposta por seu sucessor, Deng Xiaoping.

    Enquanto isso, os Estados Unidos, responsáveis pelo surgimento do internacionalismo liberal posterior à Segunda Guerra Mundial, estão consumidos por dúvidas e por isso elegeram como líder um homem que considera essa política, que obteve sucesso incomparável, contrária dos interesses de seu país.

    Uma das ironias do momento é essa reversão de atitudes com relação à economia mundial aberta. Não existe melhor ilustração desse fato do que o contraste entre o forte apoio à globalização expressado pelo presidente Xi no Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, e a chocante afirmação por Trump, três dias mais tarde, de que "o protecionismo trará mais prosperidade e força".

    O comunicado final da reunião entre os ministros das Finanças do G20 (Grupo dos 20), no final de semana passado na Alemanha, abandonou, com isso, a promessa de "resistir a todas as formas de protecionismo" que os ministros haviam feito no ano anterior.

    As implicações do novo protecionismo americano ainda são desconhecidas. Mas são altamente perturbadoras. A última coisa de que nossa frágil economia mundial necessita é uma guerra comercial entre a China e os Estados Unidos.

    Participar do Fórum de Desenvolvimento Econômico da China, neste ano, me mostrou algumas das raízes mais profundas do desencanto atual. Participantes chineses me disseram, em conversas particulares, que no passado costumavam encarar os Estados Unidos como principal modelo de capitalismo, democracia e abertura econômica.

    A crise financeira mundial, a eleição de Trump e o protecionismo americano devastaram esse prestígio nos três aspectos. Os ocidentais, de sua parte, se queixavam de que a retórica de abertura chinesa não se confirma na realidade, e apontavam como exemplo disso a promoção pelo país de empresas nacionais de bandeira, especialmente nos setores avançados. Um agravante para essa decepção é que a abertura econômica da China ainda não conduziu a um avanço da democracia.

    No entanto, também é evidente que esse estranho casal está condenado a cooperar, se queremos garantir os bens públicos internacionais essenciais —a gestão do patrimônio comum do planeta, a segurança internacional e a prosperidade estável. Trump pode declarar que os Estados Unidos estão acima de tudo mais.

    A liderança chinesa pode se concentrar no bem-estar de seus cidadãos. Mas nenhum deles será capaz de produzir os resultados que deseja sem prestar atenção aos interesses e opiniões alheios. É espantoso que hoje a liderança chinesa pareça compreender esse fato melhor que os Estados Unidos.

    Quando o presidente Xi e Trump se reunirem no mês que vem em Mar-a-Lago, a "Casa Branca de inverno", no primeiro encontro entre os dois, é preciso que encontrem uma base para cooperação. Os presságios não são favoráveis. Trump vem atacando as políticas de comércio e câmbio da China.

    Chegou até a flertar com uma contestação da política de "China única", sob a qual a República Popular da China representa o único Estado chinês legítimo. A isso devemos acrescentar a disparidade em termos de personalidade e experiência entre o comandante em chefe do Twitter e o burocrata comunista, entre o incorporador imobiliário e negociador e o vitorioso na difícil corrida pela liderança do partido comunista.

    Se nos concentrarmos na dimensão econômica, como seria possível salvar esse provável diálogo de surdos?

    Primeiro, os dois líderes precisam convencer um ao outro de que os objetivos das duas partes não poderão ser atingidos caso elas entrem em conflito. Isso é claramente verdade quanto a uma guerra real. Mas também se aplica a uma guerra comercial. Determinar qual dos dois países perderia mais é um exercício intelectual ocioso. Sem dúvida os dois perderiam, direta e indiretamente.

    Segundo, Xi precisa fazer com que Trump compreenda que suas visões sobre as políticas da China estão absurdamente desatualizadas. A China gastou US$ 1 trilhão em reservas cambiais para sustentar a cotação do yuan, de 2014 para cá. Entre 2006 e 2016, as exportações chinesas caíram de 35% do PIB (Produto Interno Bruto) para 19%. A história sobre uma invencível máquina de exportação ficou no passado.

    Terceiro, Trump precisa dizer a Xi que as políticas industriais chinesas são causa legítima de preocupação em outros países. A China pode argumentar, com razão, que é um país em desenvolvimento. Mas também é um colosso econômico. Suas políticas de desenvolvimento parecem a outros países um exemplo de mercantilismo predatório.

    A China precisa reconhecer que, em um mundo interdependente, os outros têm interesse razoável naquilo que ela faz. Isso se aplica igualmente à dimensão de seu superávit em conta corrente. É claro que Trump precisa compreender alguns pontos semelhantes. Se ele não se importa com as consequências mundiais daquilo que faz, por que a China se importaria?

    Quarto, a China pode ajudar Trump a conseguir o que ele deseja. O presidente norte-americano quer novos investimentos industriais em áreas de seu país que sofreram desindustrialização. Esse processo jamais poderá ser revertido. Mas Xi certamente será capaz de encontrar empresas chinesas que investirão alegremente nos Estados Unidos. Trump gosta de ouvir esse tipo de anúncio. Xi deveria ajudá-lo.

    Por fim, Trump deseja um boom na infraestrutura norte-americana. A China, de sua parte, é o maior expoente mundial na rápida expansão de infraestrutura. Deve ser possível combinar as capacidades chinesas aos objetivos de Trump.

    Por mais que os dois países pareçam contrastar, eles têm interesses comuns. Manter a abertura da economia mundial é um deles. É vital que Trump seja persuadido de que suas opiniões sobre o comércio internacional estão erradas. É surreal que dependamos de um comunista chinês para persuadir um presidente dos Estados Unidos sobre os méritos do comércio mundial liberal. Mas o momento desesperado que vivemos requer medidas desesperadas como essa.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024