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    Martin Wolf

    Será que a China consegue reequilibrar sua economia da maneira necessária?

    12/04/2017 09h09

    Lan Hongguang - 21.out.2016/Xinhua
    BEIJING, Oct. 21, 2016 (Xinhua) -- Chinese President Xi Jinping (C, front) and other senior leaders Li Keqiang (3rd R, front), Zhang Dejiang (3rd L, front), Yu Zhengsheng (2nd R, front), Liu Yunshan (2nd L, front), Wang Qishan (1st R, front) and Zhang Gaoli (1st L, front) attend a gathering to commemorate the 80th anniversary of the victory of the Long March at the Great Hall of the People in Beijing, capital of China, Oct. 21, 2016. (Xinhua/Lan Hongguang) (zwx)
    O presidente chinês, Xi Jinping (centro), com líderes do Partido Comunista na Assembleia de Pequim

    Se algo não pode continuar para sempre, um dia vai parar. Essa é a "Lei de Stein", proposta pelo economista Herbert Stein, que presidiu o Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca no governo de Richard Nixon. Rüdiger Dornbusch, um economista alemão radicado nos Estados Unidos, acrescentou que "a crise demora muito mais a chegar do que você imaginava, e então acontece muito mais rápido do que você previa".

    As duas citações nos ajudam a pensar sobre o aspecto macroeconômico da economia chinesa. O crescimento, ao ritmo que o governo tem por meta, requer uma alta rápida na relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto). Isso não pode continuar para sempre. Por isso, um dia vai parar. No entanto, porque o governo chinês controla o sistema financeiro do país, o crescimento da dívida pode continuar por muito tempo. Mas quanto mais o fim for adiado, maior a probabilidade de uma crise, de uma grande desaceleração no crescimento, ou de que as duas coisas aconteçam ao mesmo tempo.

    Já argumentei que interessa à China e ao resto do mundo manter o sistema financeiro do país separado do internacional. O crescimento rápido do endividamento e o tamanho do sistema financeiro chinês representam uma ameaça à estabilidade mundial. A China precisa reequilibrar sua economia e estabilizar seu sistema financeiro antes de liberar seus fluxos de capitais. Os financistas ocidentais terão opinião diferente. Deveríamos ignorar seus interesses setoriais.

    Mas isso desperta uma grande questão: será que a China conseguirá reequilibrar sua economia da maneira necessária? Da mesma forma que acontecia no Ocidente antes das crises financeiras de 2007/2008 e da crise subsequente na zona do euro, a manutenção de crescimento estável na China coincidiu com um crescimento explosivo das dívidas no país. Como enfatiza um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), "o crescimento do crédito foi de em média 20% ao ano entre 2009 e 2015, muito mais alto do que o crescimento do PIB nominal e do que a tendência anterior de crescimento do crédito". O quadro é perturbadoramente semelhante ao que existia no Japão, Tailândia e Espanha antes de suas crises.

    O ponto de inflexão nas tendências quanto ao crédito foi 2008. Isso não aconteceu por acidente. Entre 2000 e 2007, a poupança bruta da China disparou de 37% para quase 50% do PIB. Cerca de metade dessa alta extraordinária foi usada para bancar a alta no investimento interno, e a outra metade para bancar a alta no superávit comercial. E então veio a crise no Ocidente. A China decidiu (corretamente) que seu imenso superávit comercial já não era sustentável. Em lugar disso, as autoridades optaram por elevar o investimento. Ele já havia subido de 34% para 41% do PIB entre 2000 e 2007; de lá até 2010, saltou para 48% do PIB.

    Para chegar a esse ponto, as autoridades chinesas promoveram um crescimento explosivo do crédito. Antes de 2008, a China em geral exportava a disparada do crédito relacionada à alta maciça em sua poupança. Depois da crise, ela passou a reimportar esses fundos. Uma análise recente do Credit Suisse concluiu que o crédito precisa crescer cerca de duas vezes mais que o PIB nominal se o governo chinês deseja atingir sua meta de crescimento real de 6.5% ao ano. O FMI acrescenta que o crescimento do crédito coincide com declínio nos retornos sobre os ativos empresariais, deterioração na qualidade do crédito, queda da eficiência no investimento e crescente complexidade financeira. Foi o que vimos em outros países. A China será diferente?

    A resposta é sim e não. Sim porque, como o Japão, a China é um país credor e com alta poupança. O governo controla o sistema financeiro e opera controles cambiais. Pode bem ser que consiga evitar uma crise. Mas a resposta também é não, porque as autoridades precisarão de ainda mais expansão no crédito para promover crescimento sempre menor. O crescimento chinês poderia, assim, expirar com um suspiro e não com uma explosão.

    Quais são as maneiras possíveis de escapar dessa armadilha? Uma opção seria que as autoridades simplesmente travassem o crescimento do crédito. Se o crescimento da China passasse a depender apenas do consumo, a expectativa seria de que ele caísse para entre 3% e 4% ao ano. Mas o investimento chinês ainda equivale a quase 45% do PIB a cada ano. Um nível assim elevado de investimento não seria justificável diante de crescimento tão baixo. O investimento, com isso, cairia, criando uma recessão. A única saída seria que o governo tomasse o controle do processo de investimento, o que anularia as reformas econômicas orientadas à liberalização do mercado.

    Uma segunda opção seria suspender o crescimento do crédito e permitir que a poupança chinesa flua ao exterior, por meio de uma imensa expansão no superávit chinês em conta corrente. Mas as discussões sobre comércio entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping na Flórida mostram que isso não seria aceitável. Não existem países dotados tanto da capacidade quanto da vontade necessárias a manter deficits externos contrabalançados.

    Uma terceira opção seria suspender o crescimento do crédito e elevar fortemente o consumo, para compensar o declínio no investimento. O problema quanto a isso é que a renda domiciliar disponível fica pouco acima dos 60% do PIB, e o consumo privado é de cerca de 40% do PIB. Índices de poupança como esses não são altos pelos padrões asiáticos. Mais de metade da poupança nacional consiste de lucros de empresas e de reservas do governo.

    Se o objetivo é que o consumo cresça mais rápido que agora, a proporção da renda domiciliar no PIB ou do patrimônio domiciliar no patrimônio nacional total precisa aumentar muito. A primeira solução comprimiria os lucros e investimentos. A segunda significaria transferir ativos públicos para as famílias chinesas. Nenhuma das duas coisas parece praticável, em termos técnicos ou políticos. Assim, o consumo não será capaz de impedir que a economia trave.

    Uma última opção, talvez a melhor, seria que o governo incorporasse boa parte das dívidas do país ao seu balanço. Isso permitiria uma reestruturação da dívida existente e tornaria o governo o principal responsável por captação no futuro. A China se tornaria um Japão prematuro. A dívida do governo cresceria, mas por outro lado a entidade responsável pela captação seria a mais solvente do país. Enquanto isso, a economia privada seria autorizada a se ajustar aos sinais do mercado.

    Hoje, a China só é capaz de atingir crescimento superior a 6% ao ano com uma alta rápida no endividamento. Todas as formas de fugir dessa armadilha são difíceis. A economia está se reequilibrando lentamente, em favor do consumo. Mas o processo demorará bem mais de uma década. Será possível sustentar o crescimento da dívida até que ele se conclua? Duvido.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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