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    Martin Wolf

    Uma virada positiva não é a mesma coisa que crescimento sustentado

    26/04/2017 10h42

    Jason Lee/Reuters
    Euro, Hong Kong dollar, U.S. dollar, Japanese yen, British pound and Chinese 100-yuan banknotes are seen in a picture illustration shot January 21, 2016. To match Special Report CHINA-INVESTMENT/EUROFX REUTERS/Jason Lee/Illustration/File Photo ORG XMIT: PXP908
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    A economia mundial está melhorando. A questão é determinar a força e a duração dessa melhora. A recuperação pode decepcionar, persistir por algum tempo, ou marcar o início de um período de crescimento longo e sustentado. Essa última hipótese parece ser a menos provável. Mas não estamos predestinados a um fracasso.

    O FMI (Fundo Monetário Internacional) delineia as questões, na mais recente edição de "Perspectivas da Economia Mundial". A expectativa do fundo era a de que a economia melhorasse, e pode ser que isso esteja acontecendo.

    No ano passado, a economia mundial cresceu 3,1% (em termos de paridade de poder aquisitivo). O FMI agora prevê crescimento de 3,5% em 2017 e de 3,6% em 2018. Essas projeções são mais ou menos idênticas às que a organização publicou em outubro de 2016.

    A publicação do FMI aponta que até mesmo o comércio internacional está ganhando força. Mas essa virada positiva tem de ser colocada no contexto: ela surge depois de anos de projeções sempre mais baixas. O futuro parece bem pior do que parecia alguns anos atrás, mesmo que o crescimento esteja por fim se recuperando.

    A mais importante razão para a recuperação é que os três choques sucessivos —a crise financeira de 2007-9; a crise da zona do euro em 2009-13; e a queda nos preços das commodities em 2014-5— estão ficando bem no passado. A maioria das economias atingidas está desfrutando de recuperações cíclicas; de fato, todas as regiões e a maioria das economias significativas devem desfrutar de algum crescimento, segundo as projeções. Quanto mais os choques ficam para trás, mais retorna a confiança.

    Crises financeiras têm efeitos especialmente duradouros. Mas esses efeitos nem por isso duram para sempre. Políticas monetárias que ofereceram forte apoio à recuperação também ajudaram. Talvez estejamos enfim contemplando o fim das sequelas da crise.

    Em geral, segundo as "Perspectivas da Economia Mundial", "na ausência de desdobramentos imprevistos, a recuperação continuada e a redução gradual nas lacunas de produção devem manter o crescimento modestamente acima do potencial em muitas economias avançadas, nos próximos anos". Entre as economias emergentes, a recuperação dos exportadores de commodities foi especialmente notável.

    O que, portanto, deve determinar a duração e a força dessa virada positiva?

    Uma previsão feliz tomaria por base a ideia de que a confiança está voltando e o investimento subindo, nas economias de alta renda e emergentes (com a notável exceção da China, onde o ritmo de investimento precisa diminuir). Isso reforçaria o crescimento da produtividade, à medida que capital mais novo e mais eficiente substitua o estoque de capital antiquado atual. Com investimentos produtivos e a ascensão no potencial de crescimento, usar o crescimento como forma de reduzir dívidas também se tornaria mais fácil.

    É uma história agradável. Mas infelizmente essa está longe de ser a única possibilidade. É fácil identificar riscos significativos de piora.

    O primeiro conjunto de riscos é político. A rejeição a uma economia mundial aberta é uma realidade nos países de alta renda e, no caso da eleição de Donald Trump, já se prova significativa. No entanto, o avanço do protecionismo e a desaceleração do comércio mundial não são os únicos perigos. Risco ainda maior é o de uma ruptura na cooperação ou até mesmo o de surgimento de conflitos abertos entre as grandes potências.

    O segundo conjunto de riscos é a nova agenda política dos Estados Unidos. Provavelmente o maior perigo é que esperanças exageradas de crescimento econômico sejam usadas como justificativa para políticas fiscais excessivamente expansivas e política monetária indevidamente frouxa. Em curto a médio prazo, isso pode gerar um boom e até garantir a reeleição de Trump, como políticas semelhantes fizeram para Richard Nixon em 1972. Em prazo mais longo, políticas como essas poderiam se provar imensamente desestabilizadoras.

    Um terceiro conjunto de riscos, uma vez mais fortemente associado à agenda do Partido Republicano nos Estados Unidos, é o de uma desregulamentação financeira irresponsável. Remover os freios de um sistema financeiro instável pode ter efeitos positivos em curto prazo. Mas os efeitos de longo prazo poderiam incluir uma crise ainda mais devastadora do que a acontecida 10 anos atrás.

    Um quarto conjunto de riscos se relaciona à evolução em longo prazo da economia chinesa. Em curto prazo, as autoridades daquele país têm a capacidade de sustentar crescimento compatível com as suas metas. Mas o crescimento continua a depender de crédito. Em prazo mais longo, as autoridades chinesas aparentemente terão de escolher entre mais endividamento ou crescimento mais lento. A forma pela qual os chineses administrarão a situação é uma escolha vital para as perspectivas econômicas mundiais.

    Um quinto conjunto de riscos surge de outras economias emergentes. O impacto do governo Trump pode ser especialmente desestabilizador, via alta nas taxas de juros e na cotação do dólar.

    Um sexto conjunto de riscos envolve a Europa. O FMI aponta que, nas economias retardatárias da zona do euro, o desempenho econômico persistentemente fraco pode se combinar a fraquezas do setor financeiro para deprimir a procura - e com ela a oferta - permanentemente. O grande país europeu mais vulnerável a esse problema é a Itália. Mas a França não está imune. Enquanto isso, existe o risco de que uma saída britânica dura ou até mesmo caótica da União Europeia termine por prejudicar substancialmente a economia do Reino Unido.

    Por fim, há outros fatores políticos além da ascendência de um demagogo direitista nos Estados Unidos. A ascensão de ditaduras plebiscitárias na Hungria, Polônia, Rússia e Turquia não prenuncia bons resultados para a economia desses países. Preocupações não tão diferentes estão surgindo na África do Sul. Uma boa política econômica depende da presença de pessoas sensatas no comando. O suprimento desse tipo de líder não pode ser visto como garantido, especialmente agora.

    A maior questão, portanto, é se a política oferecerá a sustentação necessária à economia. Existe hoje uma chance razoável de recuperação cíclica. Mas fazer com essa recuperação se torne mais duradoura vai requerer um delicado equilíbrio. As autoridades econômicas precisam apoiar o investimento privado e público e a inovação, manter suas economias abertas e competitivas, e reduzir a regulamentação onde ela seja excessiva, mas preservá-la onde seja essencial. E no entanto as autoridades também precisam garantir, enquanto isso, que os benefícios do crescimento sejam distribuídos de maneira mais ampla do que no passado.

    A virada positiva da economia representa uma oportunidade. Se ela não for explorada, pode se tornar apenas uma melhora temporária nas estatísticas econômicas. Mas podemos e devemos fazer com que seja mais que isso.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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