• Colunistas

    Sunday, 28-Apr-2024 16:55:37 -03
    Martin Wolf

    Os grandes desafios que a França precisa enfrentar

    09/05/2017 18h31

    A fortuna favorece os audazes. Emmanuel Macron fez uma aposta arriscada, e venceu. Agora, precisa transformar a vitória em sucesso. Ele deu ao seu país, à Europa e à causa da democracia aberta uma nova oportunidade. A questão é determinar se será capaz de aproveitá-la. Se deseja fazê-lo, precisará não só de clareza e coragem mas também de sorte. As reformas que ele planeja poderiam funcionar, econômica e politicamente, desde que a recuperação da zona do euro continue.

    Os desafios de Macron são políticos, inicialmente. Ele precisa transformar sua vitória pessoal em controle sobre o poder efetivo, na política interna. Os obstáculos são imensos. Afinal, ele é um líder desprovido de partido estabelecido. Mas além disso existem também desafios econômicos. Sua dificuldade é que os problemas econômicos da França não são graves o bastante para convencer o público, cínico, a tolerar mudanças decisivas. A mesma coisa, exatamente, vale para as tentativas de transformar a forma de operar da zona do euro. Aos olhos da elite alemã, a zona do euro não está passando por uma crise; seus problemas resultam apenas de os franceses não estarem "fazendo sua lição de casa".

    Mas a França não vive uma situação caótica. Trata-se de um país rico, com excelente infraestrutura e serviços públicos. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a renda per capita francesa, em termos de paridade de poder aquisitivo, era igual à do Reino Unido em 2016, embora 12% inferior à da Alemanha. De acordo com o Conference Board, a produtividade da mão de obra francesa por hora trabalhada é igual à alemã, e 28% mais alta que a britânica. A distribuição da renda disponível é muito menos desigual que no Reino Unido ou nos Estados Unidos, mas semelhante à da Alemanha. Em resumo, a França é um país rico com excelente infraestrutura e serviços públicos.

    O índice geral de desemprego na França era de 10,1% em março de 2017, ante 3,9% na Alemanha e 4,5% no Reino Unido. Pior: o desemprego no país continuava mais alto do que em 2009, logo depois do momento de pico da crise financeira mundial. Em 2015, apenas 72% dos homens e mulheres franceses com idades entre 25 e 64 anos estavam empregados. É uma proporção muito inferior aos 79% da Alemanha e aos 78% do Reino Unido, mas próxima aos 73% dos Estados Unidos.

    Em termos de crescimento econômico, o fato mais importante é que a renda per capita real em 2016 era igual à de 2007. O que significa que os 10 últimos anos foram uma década perdida. A renda per capita britânica, que sofreu redução muito maior do que a francesa no período da crise, no ano passado subiu para 2% acima de seu nível de 2007 —um desempenho péssimo, mas ainda assim melhor que o francês. A Itália se saiu ainda pior, com renda per capita 11% inferior à de 2007, em 2016. Na Alemanha, porém, a renda per capita do ano passado foi 7% mais alta que a de 2007.

    Por fim, as finanças públicas estão distendidas. O aspecto mais notável é a escala das atividades do Estado: os gastos públicos franceses equivaleram a 56% do PIB em 2016, de acordo com o FMI, o que representa a proporção mais alta, por larga margem, entre as sete mais importantes economias do planeta, Na Alemanha, a proporção é de 44%, e no Reino Unido de apenas 39%. Sustentar os impostos necessários a bancar esse nível de gastos representa um grande desafio, para uma economia aberta. A dívida pública líquida da França equivalia a 88% do PIB em 2016, ante 45% na Alemanha. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, ela equivale a 81% do PIB.

    O que precisa ser feito? A primeira prioridade é rezar por uma recuperação forte. O desemprego persistentemente alto deve ser ao menos em parte cíclico. O FMI acredita que o diferencial do produto (um indicador da capacidade produtiva excedente em uma economia) equivalha a pouco menos de 2% do PIB potencial. E talvez seja ainda mais alto. Além disso, a inflação primária da zona do euro em termos de preços ao consumidor (excluídos alimentos e energia) se manteve abaixo dos 2% anuais a cada mês desde o começo de 2009. Mais recentemente, ela vem girando em torno de 1,2%. Temos bons motivos para esperar a manutenção por longo tempo da política monetária fortemente estimuladora que o Banco Central Europeu (BCE) presidido por Mario Draghi tem em vigor.

    No contexto de uma economia em recuperação como a descrita acima, Macron precisa aprovar rapidamente no Legislativo as suas reformas no mercado de trabalho e nos gastos públicos. A maior prioridade, na primeira dessas áreas, é reduzir a proteção às pessoas já empregadas. Quanto à segunda área, o importante é promover mudanças permanentes na trajetória de gastos. Os gastos franceses são tão mais altos que os de países europeus comparáveis que isso certamente deve ser viável. Mas a França não está próxima da insolvência. Reduzir o deficit, no caso francês, é bem menos importante do que mudar a trajetória ascendente dos gastos. O governo deveria, em lugar disso, ousar cortar impostos, especialmente os que incidem sobre o emprego.

    Com alguma sorte, ações desse tipo reforçarão a confiança e encorajarão o investimento. E quando isso acontecer, Macron pode dedicar atenção à reforma da zona do euro. A realidade é que quaisquer reformas plausíveis não farão muita diferença para o desempenho da economia francesa em curto e médio prazo. Mesmo assim, tão logo ele consiga provar seu compromisso para com a reforma da economia francesa, o novo presidente precisará forçar um debate sobre como resolver os males mais graves da zona do euro.

    A Alemanha oporá resistência a isso. Mas precisa compreender que rejeitar Macron seria muito perigoso. Se um homem tão entusiástico quanto ao projeto europeu for ignorado, Marine Le Pen e a morte do projeto europeu estarão à espera de uma oportunidade. Isso seria um desastre para a Alemanha. A Alemanha pós-unificação concordou em adotar a moeda única como forma de cimentar sua relação estratégica com a França. Terá de aceitar a reforma da zona do euro, uma vez mais como forma de cimentar seu relacionamento com a França.

    Uma zona do euro que pareça funcionar bem principalmente para a Alemanha terminará por fracassar —se não amanhã, no futuro. Mas a zona do euro não pode ser administrada como os Estados Unidos: uma federação plena é politicamente inviável. Assim, o que se deve fazer para melhorar sua operação? Este será o meu tópico na semana que vem.

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024