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    Martin Wolf

    A austeridade morreu. Viva a austeridade.

    21/06/2017 10h31

    O público britânico está cansado de austeridade. Foi o que concluíram até mesmo os partidários do governo, com base no inesperado sucesso do novo velho trabalhismo de Jeremy Corbyn, que prometeu gastos públicos e deficit fiscais muito mais altos que os conservadores, na eleição geral britânica de 8 de junho. Mas é seguro dar ao público o que este deseja? A saída britânica do Reino Unido ('brexit') provavelmente causará decepção econômica. Acrescentar desestabilização fiscal à mistura seria muito insensato.

    O Reino Unido continuará a ser uma economia aberta, voltada ao comércio internacional e dependente da confiança de desconhecidos, como investidores e trabalhadores. Seria idiota colocar a reputação de gestão competente do país em risco em troca de uma breve euforia propelida por deficit fiscais mais altos e maior dívida pública. Isso não descarta, porém, escolhas diferentes sobre arrecadação e gastos. Elas são perfeitamente legítimas.

    Como aponta Torsten Bell, da Resolution Foundation, austeridade fiscal pode se referir ao deficit ou ao nível e estrutura dos gastos públicos. As políticas públicas podem afetar o deficit por meio de aumentos da arrecadação, e não só pela redução de gastos. Ao mesmo tempo, os gastos podem ser mudados sem que isso altere o deficit, desde que a arrecadação também seja alterada de maneira compensatória.

    O programa de austeridade em vigor desde 2010 significou reduções de deficit conseguidas primordialmente por restrições de gastos. Entre 2009-10 e 2021-22, a captação do setor público deve cair pelo equivalente a 9,2% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Escritório de Responsabilidade Orçamentária do Parlamento. Uma redução nos gastos do equivalente a 45,3% do PIB ao equivalente a 37,9% do PIB deve produzir 80% da queda planejada no deficit.

    Em 2016-17, a captação líquida do setor público já havia sido reduzida a 2,5% do PIB, ante 9,9% em 2009-10. Tendo esse dado em mente, é importante reduzi-la ainda mais, para o nível projetado de 0,7% em 2021-22? O argumento contrário a um aperto ainda maior é que o deficit agora é modesto. O argumento em favor envolve a necessidade de reduzir ainda mais a razão líquida entre dívida e PIB, que era de desconfortáveis 87% no final do ano fiscal passado, ante apenas 35% uma década antes.

    Faz sentido manter um deficit mais baixo quando a dívida é alta e a economia está próxima do pleno emprego. O objetivo deveria ser proteção contra quaisquer choques que o futuro possa trazer, por meio de uma redução na razão entre dívida e PIB. Pode-se argumentar em favor de captação para investimentos de alta qualidade, especialmente em um momento de taxas de juros reais tão baixas. O fracasso do governo em lançar um programa de investimento maior, logo depois da crise, foi certamente um erro. Em lugar disso, o investimento bruto do setor público foi reduzido de 5,5% do PIB em 2009-10 para 4% no ano passado. Ao mesmo tempo, a economia mais alta nos gastos públicos (e com ela um grande superavit no orçamento corrente) são desejáveis, dada o persistente deficit em conta corrente e a consequente vulnerabilidade da libra. No geral, um deficit fiscal mais baixo faz sentido.

    Mas isso não significa que os cortes de gastos precisam ir além. Pelo contrário: o público britânico pode bem desejar gastos públicos mais altos, com relação ao PIB. Trata-se de uma opção legítima e aplicável: a Escandinávia, a Holanda e a Alemanha, que gastam mais do que o Reino Unido no momento, dificilmente podem ser apontadas como exemplo de insensatez econômica. Como diz Carl Emmerson, do Instituto de Estudos Fiscais, os níveis de gastos prometidos pelos trabalhistas não são absurdos, tomando os padrões desses países por base. Mas os gastos aumentados precisam ter qualidade maior e precisam ser cobertos por tributação efetiva e eficiente. Além disso, é preciso ter em conta que os impostos precisarão aumentar, para compensar o efeito do envelhecimento da população sobre os serviços públicos.

    O que é preciso é honestidade: o país pode escolher aumentar os gastos. Mas se deseja manter uma política fiscal sólida, isso significa impostos substancialmente mais altos. Os trabalhistas também romperam com o tabu quanto a isso. Mas sugeriram, desonestamente, que um aumento substancial nos gastos pode ser bancado apenas à custa dos ricos e corruptos. No entanto, nem mesmo os impostos empresariais recaem apenas, ou mesmo majoritariamente, sobre os ricos. Além disso, um quarto do aumento de gastos prometido pelos trabalhistas seria usado para eliminar dívidas educacionais, e deixaria as universidades em situação muito pior. Esse é um benefício irresponsável e regressivo em favor de pessoas que sairão vencedoras no futuro. É uma prioridade muito errada.

    Assim, a austeridade deve ser abandonada? Se com isso queremos dizer que é seguro manter o deficit fiscal em seu patamar atual, a resposta é não. Se queremos dizer que é possível evitar redução ainda maior da parcela dos gastos públicos no PIB, a resposta é sim. O argumento de que o Reino Unido enfrenta deficiência crônica no financiamento de seus serviços públicos é respeitável. Mas gastos mais altos significam impostos mais altos. Essa tributação adicional precisa ser bem concebida e direcionada. De outra forma, o esforço será um imenso desperdício. Isso seria muito insensato.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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