• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 13:11:39 -03
    Martin Wolf

    Em meio à recuperação mundial, ainda restam riscos

    04/07/2017 18h04

    Louisa Gouliamaki - 5.jul.2015/AFP
    People celebrate in Athens on July 5, 2015 after the first exit-polls of the Greek referendum. Over 60 percent of Greeks rejected further austerity dictated by the country's EU-IMF creditors in a referendum, results from 20 percent of polling stations showed. AFP PHOTO / LOUISA GOULIAMAKI ORG XMIT: LOU1755LEGENDA DO JORNALGregos comemoram resultado do plebiscito neste domingo (5) no centro de Atenas
    Gregos comemoram a rejeição de medidas de austeridade após plebiscito no mês de julho

    O Banco de Compensações Internacionais (BIS) é o relógio parado, entre as instituições financeiras internacionais. Vem sempre pedindo por aperto fiscal ou monetário, quer isso faça sentido, quer não.

    Felizmente, as autoridades, ou pelo menos os bancos centrais que são membros do BIS, vêm ignorando essa aparente convicção de que o planeta precisa de uma recessão ainda mais profunda e prolongada. No entanto, agora, exatamente porque os bancos centrais sabiamente ignoraram seus conselhos, uma recuperação sincronizada enfim chegou. Isso quer dizer que o mais recente relatório anual do BIS está mostrando a hora certa de novo, como fazia nos anos anteriores à crise?

    Vale a pena recordar até que ponto o BIS esteve errado, no passado recente. Em junho de 2010, quando, como agora sabemos, o estrago causado pela crise era muito forte para todos nós, o BIS já estava asseverando que "chegou a hora de perguntar quando e como essas fortes medidas poderão ser descontinuadas". E não, a hora não havia chegado. Era hora, em lugar disso, de agir mais agressivamente para acelerar a recuperação e com isso limitar o estrago da crise em longo prazo.

    A necessidade, então, não era a de descontinuar o estímulo fiscal e monetário, mas de reforçá-lo. A recuperação fraca é em boa parte consequência de isso não ter acontecido.

    Mas agora as coisas parecem diferentes. Como apontou Catherine Mann, economista chefe da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as coisas "estão melhores, mas não o suficiente".

    O Clube de Paris, formado pelas economias desenvolvidas, antecipa uma pequena alta no crescimento mundial, neste ano e no seguinte, projeção da qual a maior parte dos analistas compartilha. A esperança deve ser a de que esse seja o começo de uma recuperação sustentada, na qual o investimento reforçado e o crescimento na produtividade bastem para manter a inflação sob controle. Mas por enquanto isso é só uma esperança. Que riscos a recuperação enfrenta, portanto?

    Um dos mais evidentes é que o aperto monetário seja rápido demais, mesmo nos Estados Unidos, e ainda mais na zona do euro. A pressão inflacionária continua notavelmente modesta. Mesmo o BIS, o mais preocupado dos preocupados, concorda em que uma retomada da inflação não representa grande risco. Isso se deve em parte à globalização, que ampliou fortemente as pressões competitivas.

    Outro risco é o financeiro. Como aponta Jaime Caruana, diretor geral do BIS, "em algumas economias avançadas de menor porte e economias de mercado emergente, booms financeiros duradouros se atenuaram ou se reverteram. E, no planeta, a dívida atinge nível recorde. Em 2016, o total de dívidas não financeiras nas economias [do G20] era de cerca de 220% de seu Produto Interno Bruto (PIB) combinado, quase 40 pontos percentuais acima da posição de 2007". Um traço notável da situação é o crescimento muito acelerado do crédito e dívida na China.

    Warren Buffett disse certa vez que "só quando a maré vira você percebe que estava nadando nu". Com a alta nas taxas de juros, os riscos financeiros vão se cristalizar. Mas também continuam a existir razões para otimismo, mesmo quanto a isso: o sistema financeiro central do Ocidente está muito mais capitalizado e vive sob fiscalização muito melhor do que era o caso em 2007; as autoridades chinesas são capazes de estabilizar o seu sistema financeiro, se necessário; não existem booms propelidos por crédito que sejam significativos no plano mundial, a não ser na China; e, por fim, ainda que os preços das ações altamente valorizadas possam cair, isso não bastaria, em si, para causar uma crise no sistema de crédito. Se existe risco financeiro, provavelmente é na dívida pública, talvez na zona do euro.

    Ainda outro perigo é a fraqueza renovada na demanda agregada. Esse é um aspecto no qual o BIS, talvez surpreendentemente, concentra sua atenção. Mas enquanto a inflação continuar controlada, resta espaço de manobra, tanto monetário quanto fiscal. É claro que isso também significa argumentar contra um aperto monetário prematuro. É preciso primeiro estabelecer um forte ímpeto de avanço.

    O último e talvez maior dos perigos é um colapso na cooperação financeira mundial, ou talvez a erupção de conflitos. Isso destruiria a estabilidade da economia mundial, da qual todos dependem - mesmo os nacionalistas e protecionistas tolos, ainda que eles não saibam disso. Isso poderia de fato destruir a estabilidade da ordem mundial.

    Não há dúvida, como aponta o BIS, de que "os indicadores estatísticos formais, a observação casual e a lógica pura e simples demonstram que a globalização foi uma força importante para a manutenção do crescimento mundial e de padrões de vida mais altos". Mas como Mann corretamente afirma, esse progresso indubitável coincidiu com crescente desigualdade, com uma concentração das perdas de emprego nas atividades de capacitação média, e com declínios fortes no emprego industrial, nas economias de alta renda. Isso, por sua vez, em companhia de outros fatores, levou ao protecionismo que ora vemos, especialmente nos Estados Unidos.

    Um colapso da ordem política e da ordem econômica mundial poderia causar enormes danos. A suposição, aparente nos mercados, de que isso seria "repleto de som e fúria, sem que nada signifique", parece absurdamente irresponsável. É perfeitamente possível que nada de muito sério aconteça. Mas também é possível que o frágil espírito de uma cooperação regida por regras simplesmente desapareça do dia para a noite.

    Nós, nos países de alta renda, permitimos que o sistema financeiro desestabilizasse nossas economias. Depois nos recusamos a usar estímulos fiscais e monetários fortes o bastante para emergir rapidamente dos problemas econômicos pós-crise. Não respondemos às divergências na distribuição de recompensas entre as pessoas de mais sucesso e as pessoas de menos sucesso. Esses foram erros imensos. Agora, à medida que as economias se recuperam, enfrentamos novos desafios: evitar que a economia mundial quebre e ao mesmo tempo garantir crescimento amplamente compartilhado e sustentável.

    Parece bem provável, infelizmente, que fracassemos ao enfrentar esses desafios. O BIS propõe, sensatamente, que devemos criar resiliência. Parte disso é garantir que o crescimento dependa menos de dívidas. Mas essa é apenas uma das maneiras pelas quais precisamos tornar nossas economias mais efetivas e mais legítimas politicamente. Se não respondermos a esses desafios estruturais, é improvável que a recuperação se prove duradoura ou forte.

    A fase pós-resgate enfim está próxima. É hora de reforçar o que era bom e reformar o que não era.

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024