• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 18:48:08 -03
    Martin Wolf

    Por que os bancos continuam desconfortavelmente subcapitalizados

    27/09/2017 09h53

    Getty Images
    Fachada do banco Northern Rock, em Londres
    Fachada do banco Northern Rock, em Londres

    Pouco mais de 10 anos atrás, o Reino Unido passou por sua primeira corrida visível a um banco, o Northern Rock, em 150 anos. O evento provou ser uma parte pequena de uma imensa crise. A questão mais simples que o aniversário do acontecido provoca é se temos um sistema financeiro mais seguro, agora. Infelizmente, a resposta é não. Os bancos continuam menos seguros do que poderiam razoavelmente ser. E essa é uma decisão deliberada.

    Bancos criam dinheiro como subproduto de suas atividades de empréstimo. Essas últimas acarretam riscos inerentes. Esse é o propósito dos empréstimos. Mas os passivos dos bancos consistem principalmente de dinheiro. O propósito mais importante do dinheiro é servir como fonte segura de poder aquisitivo em um mundo incerto. O objetivo do dinheiro é criar liquidez irreprochável. Mas o dinheiro dos bancos se torna menos confiável quando as finanças se tornam mais frágeis. Os bancos não são capazes de oferecer aquilo que o público quer do dinheiro nos momentos em que o público mais deseja que o façam.

    O sistema foi concebido de maneira a tornar o fracasso inevitável. Para lidar com essa dificuldade, causa de grande instabilidade ao longo dos séculos, os governos vêm oferecendo volume cada vez maior de seguros e de regulamentação compensatória. O seguro encoraja os bancos a assumir riscos cada vez maiores. As agências regulatórias enfrentam grande dificuldade para acompanhar o processo, porque os bancos as sobrepujam em motivação, recursos e influência.

    Diversas pessoas sérias já propuseram reformas radicais. Economistas da escola de Chicago recomendaram a eliminação dos bancos de reserva fracionária nos anos 30. Mervyn King, antigo presidente do Banco da Inglaterra, argumentou que os bancos centrais deveriam se tornar "casas de penhor de período integral"; dessa forma, os passivos líquidos dos bancos não excederiam o valor de caução declarado de seus ativos. Um livro instigante, "The End of Banking", de Jonathan McMillan, recomenda que os intermediários sejam eliminados das finanças, de maneira abrangente.

    Todas essas propostas tentam separar os riscos incorridos com o patrimônio do público e os ativos incontestavelmente seguros, e líquidos. Combinar essas duas funções em uma só classe de instituição é uma receita para o desastre, porque a primeira função compromete a segunda, e assim demanda imensas e complexas intervenções pelo Estado. Essa simplesmente não é uma solução de mercado.

    Reformas radicais são desejáveis. Mas hoje isso é politicamente impossível. Temos, em lugar disso, de ampliar as reformas introduzidas desde a crise. Eu estive envolvido nas recomendações da Comissão Independente sobre Serviços Bancários, no Reino Unido, para uma maior capacidade de absorção de prejuízos e proteção aos bancos de varejo britânicos. Essas propostas são passos na direção certa. Mesmo assim, como apontou Sir John Vickers, o presidente da comissão, em palestra recente, as reformas ainda não tornaram compatível o papel dos bancos como intermediários que aceitam risco e seu papel como provedores de passivos seguros. Isso acontece em larga medida porque eles continuam fortemente subcapitalizados, com relação aos riscos que enfrentam.

    Funcionários importantes do governo argumentam que os requisitos de capitalização decuplicaram. Mas isso só é verdade se você confiar na alquimia da ponderação de riscos. No Reino Unido, a alavancagem caiu apenas à metade, e hoje apresenta razão de 25 para um entre passivos e ativos. Em suma, avançamos da insanidade para o apenas ridículo.

    Quanto menor a capitalização de um banco, menos prejuízos ele poderá aceitar antes que se torne insolvente. Um banco próximo da insolvência não deve ser autorizado a continuar operando, porque os acionistas pouco terão a perder se aceitarem apostas de alto risco. Mas existe uma maneira mais simples de elevar a confiança dos credores de um banco no valor de seus passivos (sem depender de apoio do governo). A ideia seria reduzir a alavancagem de 25 para um a, digamos, cinco para um, como argumentam Anat Admati e Martin Hellwig em "The Bankers' New Clothes".

    Como aponta Sir John, isso imporia custos privados aos banqueiros, o que explica por que odeiam a ideia. Mas não imporia custos significativos à sociedade como um todo. Sim, o custo do crédito bancário aumentaria modestamente, mas é possível argumentar que o crédito bancário sempre foi barato demais. Sim, o crescimento da criação de dinheiro pelos bancos poderia se desacelerar, mas existem excelentes maneiras alternativas de criar dinheiro, especialmente por meio dos balanços dos bancos centrais. Sim, os acionistas não gostariam da ideia. Mas os bancos são perigosos demais para que eles tenham todo o poder. E sim, pode-se inventar passivos de dívida concebidos para conversão em capital em caso de crise. Mas seria difícil operar com eles em uma crise e eles são, de qualquer forma, um substituto desnecessário para as ações.

    A conclusão é simples. Os bancos de muitas maneiras estão em melhor forma do que há 10 anos (ainda que o tratamento questionável dos ativos e rendimentos, na contabilidade dos bancos, continue a causar grande incerteza sobre sua robustez financeira). Mas seus balanços continuam incapazes de sobreviver a uma grande tempestade. Isso provou ser verdade em 2007. Continua verdade hoje. Não acredite se ouvir o contrário.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024