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    Martin Wolf

    Reforma criativa é vital para a zona do euro

    27/09/2017 15h41

    Eric Vidal/Reuters
    A rainbow is seen behind European flags during a euro zone EU leaders emergency summit on the situation in Greece at the European Council headquarters in Brussels, Belgium, July 7, 2015. REUTERS/Eric Vidal ORG XMIT: EVD39
    Bandeira da União Europeia em Bruxelas

    A zona do euro sobreviveu ao duplo choque da crise financeira mundial de 2007-2009 e de sua crise de dívida em 2010-2012. Está desfrutando de uma boa recuperação. Isso não é justificativa para complacência, no entanto; a renda per capita real da zona do euro passou por uma década perdida. A recuperação deveria ser vista como oportunidade para reformas, no nível nacional e no nível da zona do euro. A questão é que reformas escolher.

    Este ano, a renda per capita da zona do euro enfim superará sua marca de 2007. De 2013 para cá, a renda per capita da zona do euro vem crescendo em ritmo semelhante à dos Estados Unidos. A principal explicação para essa virada, desconsideradas as forças cíclicas normais, foi a determinação do Banco Central Europeu (BCE), sob o comando de Mario Draghi, de fazer seu trabalho apropriadamente.

    Um momento decisivo foi a declaração de Draghi, em julho de 2012 —um momento de crise nos mercados de títulos nacionais de dívida—, de que "nos termos de nosso mandato, o BCE está pronto para fazer o que quer que seja necessário para preservar o euro. E, pode acreditar: será o suficiente". Ele estava certo. O anuncio do programa de "Transações Monetárias Diretas" do BCE, em agosto de 2012, fez dessa promessa uma política. Isso mudou a opinião dos mercados e ajudou a baixar o rendimento elevado dos títulos de dívida nacional da Espanha e Itália. O BCE cortou fortemente as taxas de juros e, em 2015, lançou um programa de aquisição de ativos.

    Outras medidas incluíram a criação do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira; programas de apoio a países atingidos pela crise, quatro dos quais - Chipre, Irlanda, Portugal e Espanha —já foram concluídos com sucesso; a determinação dos países atingidos pela crise de fazer tudo que fosse necessário para ficar na zona do euro; a criação do Mecanismo Único de Supervisão de bancos; e medidas para criar uma união dos mercados bancários e de capital. Quaisquer que tenham sido os erros cometidos na criação e operação da zona do euro, seus membros se mostraram muito mais determinados a mantê-la viva do que os observadores externos, especialmente no Reino Unido e Estados Unidos, esperavam.

    Mas ainda restam desafios a superar. Em sua mais recente análise sobre a zona do euro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta que "a crise dos anos 2007 e 2008 marcou o final da tendência de convergência e o começo de uma tendência de divergência, que está sendo corrigida lentamente". É verdade que alguns dos países atingidos pela crise demonstraram recuperação dramática, especialmente a Irlanda. A renda per capita de Portugal e da Espanha voltou ao seu nível de 2007. Mas a da Alemanha cresceu em 20% com relação à da Itália, nos 10 últimos anos. A renda per capita real da Grécia continua mais de 20% inferior à que o país registrou em 2007. O desemprego também continua alto na Grécia, Espanha e, em menor grau, Itália.

    O endividamento público e privado também continua alto em muitos países. É útil, portanto, que o crescimento do PIB nominal agora esteja acima do rendimento dos títulos públicos, mesmo na Itália. Em parte por causa do peso da dívida, mas também porque a paciência do público se desgastou e o espaço para manobras de política econômica é limitado, um novo choque poderia ser um desastre. A atual recuperação precisa perdurar.

    Assim, o BCE não deve promover um aperto prematuro de sua política monetária. Afinal, a inflação estrutural nos preços ao consumidor está abaixo dos 2% desde 2008. A política fiscal também deve ser usada, em todos os casos em que haja espaço para tanto, especialmente na Alemanha. As economias mais fracas devem seguir vigorosamente adiante com reformas que beneficiem o crescimento e o emprego.

    E quanto às reformas da zona do euro? Tenho dúvidas quanto à sabedoria e viabilidade das propostas de Emmanuel Macron, especialmente suas ideias quanto a uma integração fiscal maior. Os resultados da eleição alemã também devem dificultar muito quaisquer grandes avanços nessa direção. A união bancária precisa de um anteparo fiscal, para cobrir as garantias de depósitos. Mas talvez esse seja o limite máximo a que a integração fiscal deve ser levada.

    Adam Lerrick, do American Enterprise Institute, sugeriu um esquema para mitigar o impacto de choques fiscais assimétricos, sem apoio do BCE e sem transferências fiscais correntes. Em uma crise, o rendimento dos títulos públicos dos países vulneráveis subiria com relação ao dos títulos de países mais fortes. De acordo com Lerrick, no pico da crise da zona do euro, em 2012, a inesperada alta nas taxas de juros relativas custou à Espanha e Itália, somadas, mais de € 5 bilhões por ano. Se considerarmos um prazo médio de vencimento de sete anos, o impacto total do problema foi de mais de € 35 bilhões.

    Se uma parte dos ganhos dos fortes fosse transferida temporariamente aos fracos, o impacto seria mitigado. Nos termos da proposta de Lerrick, "os membros que receberem um decréscimo inesperado em seus custos de captação contribuiriam com 50% desses ganhos para a Conta de Estabilização de Custos de Financiamento da Zona do Euro". O dinheiro contribuído seria encaminhado a membros que tivessem sofrido alta inesperada em seus custos de captação, para cobrir até 50% de suas perdas. As transferências seriam suspensas assim que os rendimentos relativos se estabilizassem, e o dinheiro seria restituído quando a situação se revertesse. Países só seriam elegíveis para o sistema se respeitassem as regras fiscais da zona do euro.

    Esse plano não requereria um novo tratado, não geraria transferências constantes e não socializaria os riscos de crédito. Mas seria um gesto de solidariedade. Também reduziria a necessidade das transações monetárias diretas do BCE. Politicamente, portanto, essa ideia poderia ser atraente para os alemães, e reforçaria a solidariedade que outros países desejam. É esse o tipo de ideia imaginativa que a União Europeia deveria estar contemplando. A zona do euro jamais será uma federação fiscal normal. É necessário inventar alternativas.

    É vital que a zona do euro não apenas sobreviva, como fez, mas prospere econômica e, assim, também politicamente. Por isso o período de recuperação é uma oportunidade para que os países membros levem suas reformas adiante, tanto individual quanto coletivamente. Se não o fizerem, crises ainda piores podem surgir.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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