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    Martin Wolf

    A crise do Brasil representa uma oportunidade

    07/11/2017 21h02

    O Brasil vive uma crise econômica, política e moral. Essa não é a minha avaliação. É a avaliação de um antigo dirigente do país que conheço há décadas.

    É difícil argumentar contra ela: a economia sofreu uma imensa recessão, com queda real de 9% na renda per capita entre 2013 e 2016; o crescimento é lento por motivos estruturais; a posição fiscal é insustentável; e um escândalo de corrupção engolfou a elite política e alguns dos empresários mais importantes do país.

    De fato, o Supremo Tribunal brasileiro autorizou investigações sobre muitos dos ministros, senadores e governadores, além do presidente, líderes do Congresso e dirigentes dos principais partidos.

    Não surpreende que os políticos e os partidos estejam desacreditados. Como descobri quando visitei o Brasil no mês passado, os especialistas temem que isso leve a uma extrema polarização da política. Mas uma crise também pode causar mudanças. O Brasil deveria aproveitar essa oportunidade.

    Não devemos exagerar o pessimismo. A expectativa de vida subiu de 60 para 74 anos, entre 1970 e 2014, e o índice de natalidade caiu de cinco para 1,7 filhos por mulher. A energia do Judiciário na condução da operação Lava Jato de combate à corrupção é invejável. A recessão se converteu em uma discreta recuperação. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê crescimento de 0,7% este ano e de 1,5% no ano que vem. O segundo número pode se provar pessimista. A estabilidade monetária conquistada nos anos 90 persiste, e a inflação caiu a 2,5% em setembro.

    Mesmo assim, os desafios estruturais, na política e economia, são imensos. A desigualdade de renda continua a ser uma das mais altas do planeta. E isso não é compensado por crescimento rápido: entre 1995 e 2016, a renda per capita real cresceu em apenas 25%, o que deixa o Brasil abaixo da Argentina, México, Colômbia e Chile. Com relação aos Estados Unidos, a renda per capital brasileira está estagnada nos últimos 25 anos, em pouco mais de 25% do nível norte-americano, e o fracasso do país em reduzir a diferença é perturbador.

    De acordo com o Conference Board, a produtividade total dos fatores brasileiros - um indicador sobre o nível de inovação do país - caiu em média 0,7% ao ano entre 2000 e 2016. O índice nacional de poupança brasileiro, sempre baixo, foi de apenas 16% em 2016. Consequentemente, a taxa de juro real de curto prazo do Banco Central ficou, em média, logo abaixo dos 5% na última década.

    Além disso, a população está envelhecendo. Em termos gerais, o potencial de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) provavelmente fica abaixo dos 2%.

    As perspectivas de crescimento medíocres agravam ainda mais a posição fiscal. O Brasil tem um imenso deficit fiscal estrutural. O FMI acredita que ele atingirá os 11% do PIB em 2022. A arrecadação tributária já é de quase 30% do PIB. Ela deve crescer com a recuperação, mas não o bastante para cobrir o deficit e impor controle sobre a alta da dívida pública, já que os gastos públicos ficam perto dos 40% do PIB. O limite imposto pelo governo aos gastos públicos entrará em choque com pagamentos obrigatórios de benefícios, especialmente aposentadorias. Pelo começo da década de 2020, o governo pode ter de eliminar todos os seus gastos não obrigatórios.

    O Brasil precisa de reformas econômicas e fiscais abrangentes. As reformas econômicas mais importantes incluem: abrir uma economia relativamente fechada; reforma tributária; reforma trabalhista; investimento mais alto em infraestrutura; e políticas públicas que promovam maior poupança. Estas últimas se conectam à reforma fiscal. Como parte da reforma fiscal, é preciso que haja mudança abrangente das aposentadorias, para colocar os dispêndios do governo sob controle. Um esquema de poupança para aposentadoria poderia elevar o nível nacional de poupança. O governo também precisa ter liberdade para controlar o número e a remuneração dos funcionários públicos. Fazer tudo isso liberaria recursos para outras áreas.

    Seria um erro encarar as reformas necessárias como técnicas. Elas são altamente políticas. Envolvem promover mudanças fundamentais na maneira pela qual o Estado, os políticos e o funcionalismo operam. O sistema precisa trocar a corrupção pela honestidade, a opacidade pela transparência, a impulsividade pela previsibilidade, e o cuidado com os privilegiados pelo cuidado para com o povo. É isso que os escândalos de corrupção, a longa crise fiscal, os padrões ineficientes de gastos do governo e as fraquezas econômicas do país em longo prazo estão dizendo aos brasileiros.

    Especialmente em uma sociedade livre e aberta, realizar mudanças assim profundas representa um imenso desafio. Isso é especialmente verdade quando a situação de curto prazo está melhorando. Além disso, o atual governo, ainda que pressionado, fez um trabalho decente na restauração da confiança dos brasileiros (o que talvez surpreenda). O mesmo pode ser dito sobre o Banco Central (o que surpreende bem menos).

    Ainda assim, problemas políticos precisam de soluções políticas. Quanto a isso, os augúrios para a eleição presidencial de 2018 não são positivos. Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção, lidera as pesquisas, mas pode ser impedido de se candidatar. O segundo colocado nas pesquisas é Jair Bolsonaro, um direitista perto do qual Donald Trump serviria como exemplo de moderação e autocontrole. Nenhum deles seria capaz de promover as reformas de que o Brasil precisa agora, por motivos diferentes. Lula está desacreditado; e Bolsonaro é um populista autoritário. Existem candidatos melhores. Mas o apoio a eles ainda é modesto. É possível se perguntar: onde estaria o Emmanuel Macron brasileiro?

    É impossível visitar o Brasil, mesmo que por pouco tempo, sem sentir entusiasmo diante do calor humano de seu povo e da vitalidade de sua cultura. Mas o país vive momentos difíceis. Sim, a posição de curto prazo parece estar melhorando, um pouquinho. Mas existe gente demais desempregada, a economia é frágil demais, os políticos são corruptos demais e o Estado está capturado demais. É isso que a história e os acontecimentos recentes dizem aos brasileiros. O Brasil precisa de um renascimento político e econômico. A crise o torna necessário. Caso não aconteça, o futuro parece triste.

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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