• Colunistas

    Sunday, 28-Apr-2024 18:15:06 -03
    Martin Wolf

    O sol está brilhando sobre a economia mundial

    05/12/2017 18h38

    Reprodução/'Financial Times'
    Foto com bandeiras de EUA e China ilustra reportagem sobre 'guerra comercial' no 'Financial Times
    Bandeiras dos Estados Unidos e da China

    A economia mundial está desfrutando de uma recuperação sincronizada. Mas ela se provará insustentável caso o investimento não acelere, especialmente nas economias de alta renda.

    Dívidas pesadas também ameaçam a sustentabilidade da recuperação, como argumenta a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que congrega os países mais ricos do planeta, em seu mais recente relatório. O trabalho é a despedida de Catherine Mann, que foi uma excelente economista-chefe da OCDE. E sugere que, se há motivo para alívio, não há para complacência.

    A OCDE prevê crescimento mundial de 3,6% neste ano, ante 3,1% em 2016. A projeção de crescimento para 2018 é de 3,7%, o que fica perto da média do período 1990-2017. O único membro do G7 (grupo dos sete países mais desenvolvidos) cujo crescimento neste ano não deve ser mais alto que em 2016 é o Reino Unido. China e Índia estão ditando o ritmo mundial.

    A OCDE monitora 45 economias, que geram 80% da produção mundial. Nenhuma delas deve se contrair, nas projeções referentes a 2017, 2018 e 2019.

    Temos motivos, no entanto, para questionar a sustentabilidade desse ritmo de crescimento. Em todo o G7, as taxas líquidas de investimento são inferiores ao nível que vigorava antes da crise. O crescimento da produtividade da mão de obra deve melhorar um pouco, mas continuará bem abaixo da média que manteve entre 1995 e 2007. Acima de tudo, o alto endividamento continua a ameaçar a recuperação.

    Nos países de alta renda, o relação entre a dívida das empresas e o PIB (Produto Interno Bruto) se estabilizou desde a crise, em alguns países, mas continua a subir em outros, como a França. Em longo prazo, a dívida das empresas vem crescendo mais rápido que o estoque de capital produtivo nos Estados Unidos e na zona do euro.

    Parte dessa dívida foi contraída a fim de recomprar ações e elevar seus preços. Manobras de engenharia financeira como essas resultam das vantagens tributárias que a dívida propicia e do vínculo entre a remuneração dos executivos e os preços das ações, que continua na moda. A dívida domiciliar segue alta em muitas economias de alta renda, entre as quais os Estados Unidos e o Reino Unido.

    Nas economias emergentes, a dívida domiciliar pelo menos não é alta. Mas muitas delas acumularam endividamento empresarial significativo, boa parte do qual em moeda estrangeira. A relação entre a dívida empresarial e o PIB na China agora é mais alta do que em virtualmente todas as economias de alta renda. Não surpreende que as classificações dos títulos de dívida empresariais tenham caído, tanto nos países de alta renda quanto nos emergentes.

    Assim, quais são os riscos associados aos níveis persistentemente altos e, em alguns países, crescentes de dívida? Um é de que o capital fique trancado em "companhias zumbis". Acima de tudo, para além de um dado ponto, mais crédito tende a reduzir o crescimento e elevar a desigualdade.

    O risco mais imediato é o de que taxas de juros mais altas tornem impossível administrar dívidas que no momento parecem administráveis. Isso poderia gerar uma segunda onda de crises. Elas seriam não exatamente novas crises mas um ressurgimento do tumulto pelo qual as economias dos Estados Unidos e da Europa passaram entre 2007 e 2012.

    Um motivo para acreditar que isso não vá acontecer é a transição na forma de financiamento, de empréstimos bancários para a emissão de títulos de dívida empresarial. A capacidade de arcar com prejuízos de intermediários altamente alavancados, como os bancos, é limitada. Uma redução na importância desse tipo de instituição tornaria as economias de alta alavancagem mais resilientes. Mesmo assim, a exposição dessas instituições continua a ser significativa, especialmente sua exposição aos estoques de habitações supervalorizadas.

    Uma dependência maior quanto aos títulos de dívida cria riscos específicos. As economias de mercado emergente ficam expostas a riscos cambiais. Além disso, se um número substancial de empresas entrar em concordata ou quebrar, seus bancos credores seriam afetados de maneira adversa. Grandes prejuízos com títulos empresariais poderiam causar corridas aos fundos de títulos, e com isso dificultar a captação, o que incluiria as operações de rolagem, muito necessárias. Assim, a transição do financiamento bancário para os títulos de dívida também acarreta riscos nas economias pesadamente endividadas.

    Uma questão crucial é determinar o que poderia causar alta de juros. Uma razão benigna seria um crescimento mais forte, que ao menos melhoraria as perspectivas para muitas empresas e domicílios endividados. Uma razão maligna seria um surto inflacionário. Se os bancos centrais precisarem apertar fortemente a política monetária, alguns devedores enfrentariam severas dificuldades, como aconteceu no começo dos anos 1980. Um aperto em resposta a uma disparada da inflação criaria ondas de calotes e uma desaceleração inesperadamente violenta. A preocupação oposta é a de que os bancos centrais tenham espaço insuficiente para reagir. No geral, a dívida alta torna mais difícil calibrar a política econômica.

    Agora que uma recuperação está em curso, é essencial reduzir o endividamento das economias. Uma mudança crucial seria pôr fim ao tratamento tributário favorável que as dívidas recebem. Remunerações vinculadas ao desempenho de ações encorajam captação excessiva; o tratamento dessas transações pelo sistema tributário precisa ser reconsiderado. Mais capital acionário tornaria os bancos menos frágeis. As economias emergentes deveriam, além disso, desencorajar a captação em moeda estrangeira.

    Enquanto isso, são precisos esforços renovados para elevar o investimento, privado e público. Uma das áreas mais importantes para novos investimentos é a habitação, ainda que evitando promover um boom como o vivido pela Espanha antes da crise. Em termos mais amplos, é importante que a recuperação seja puxada pelo investimento, se desejamos que se sustente. Os investimentos públicos terão um papel a desempenhar nisso, especialmente na melhora da infraestrutura e no apoio ao progresso tecnológico e científico vital.

    Baixo investimento e alta dívida não são os únicos obstáculos que a economia mundial enfrenta. Os riscos políticos também são elevados, assim como as ameaças ao comércio liberal. Mas elevar o investimento e reduzir a dívida são prioridades fortes. Como declarou o presidente norte-americano John Kennedy em 1962, "a hora certa de consertar o telhado é quando o sol está brilhando". É essencial eliminar o excedente de dívidas privadas improdutivas herdado da crise. A transformação não acontecerá do dia para a noite. Mas devemos eliminar os incentivos ao comportamento de alto risco.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024