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    Martin Wolf

    A visão de consenso sobre o Japão está errada

    13/12/2017 11h44

    Kim Kyung-Hoon/REUTERS
    Presidente do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, em entrevista concedida na sede do BC
    Presidente do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, em entrevista concedida na sede do BC

    Por que o Japão está enfrentando tamanha dificuldade para elevar a inflação para sua meta de 2% anuais? Por que sua política monetária se tornou tão extrema? Por que a dívida pública do país é tão notavelmente alta? A resposta é que o Japão enfrenta os mesmos desafios que as demais economias de alta renda, mas em forma extrema. Isso não significa que sua situação é desastrosa; significa que a visão de consenso é incorreta.

    A despeito dos esforços do Banco do Japão, a inflação anualizada (desconsiderados os preços dos alimentos frescos e da energia) é de apenas 0,2%. E no entanto quase cinco anos se passaram desde que o Banco do Japão, em colaboração com o governo, declarou sua intenção de atingir a meta de inflação de 2% ao ano.

    Em abril de 2013, o banco central japonês anunciou "relaxamento quantitativo e qualitativo", o que resultou em imensa expansão de seu balanço. Em janeiro de 2016, surgiu o anúncio de que as novas reservas de capital bancário seriam submetidas a uma taxa de juros modestamente negativa. Em setembro de 2016, o banco anunciou "controles sobre a curva de rendimentos".

    A instituição chegou até a anunciar que continuaria a adquirir ativos até que a inflação "exceda a meta de estabilidade de preços de 2% e se mantenha acima dessa meta de maneira estável". Isso significa um compromisso para com futura irresponsabilidade.

    E todas essas mudanças mesmo assim fracassaram. Isso não aconteceu porque as medidas tomadas —apoiadas por orçamentos suplementares expansivos— tenham sido incapazes de estimular a economia. O índice de desemprego caiu a 2,8%, patamar visto pela última vez em 1994.

    A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) previu crescimento de 1,5% este ano, ante 1% em 2016, e antecipa crescimento de 1,2% e 1%, para 2018 e 2019, respectivamente, nos dois casos ligeiramente acima do potencial do país. Além disso, a renda per capita japonesa cresceu em ritmo próximo ao da média dos membros da OCDE, entre 2012 e 2016.

    Mas as expectativas inflacionárias parecem ancoradas de maneira tão firme —em cerca de zero no Japão— que os preços e os salários continuam imóveis. Isso importa? Em uma economia de crescimento inescapavelmente lento, como a do Japão, a inflação próxima do zero limita a efetividade da política monetária em períodos de desaceleração, porque torna mais difícil produzir taxas reais de juros negativas. Mas a experiência recente sugere que a política monetária continua a funcionar. O fracasso em gerar alta da inflação não parece ser um desastre.

    Dois desafios mais importantes existem. Quanto a um deles, a ortodoxia atual está certa. Quanto ao outro, está errada.

    A ortodoxia está certa quanto à produtividade. Dada a demografia do Japão e o baixo desemprego atual, elevar a produtividade é muito importante, ainda que elevar a participação das mulheres e das pessoas mais velhas na força de trabalho também importe.

    Felizmente, existe espaço para melhorar a produtividade no Japão: a produtividade média por hora de trabalho registrada no país está entre as mais baixas nos países desenvolvidos. As grandes empresas são muito mais produtivas do que empresas menores, e o setor industrial imensamente mais produtivo que o de serviços.

    A ortodoxia está errada, no entanto, quanto à dívida e deficit públicos. É verdade que a dívida bruta atinge os 240% do Produto Interno Bruto (PIB) e a dívida líquida é de cerca de 120% dele. Sem a eliminação do deficit fiscal primário estrutural (hoje próximo dos 4% do PIB), a relação entre dívida e PIB deve subir ainda mais no futuro.

    Não surpreende que as instituições oficiais —OCDE, Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Ministério das Finanças japonês— concordem em que um aperto estrutural é necessário. Mas existem duas objeções.

    A primeira é que o Banco do Japão hoje detém mais de 40% dos títulos do tesouro japonês em circulação. Pode continuar a deter essa dívida para sempre, caso isso se prove necessário. Também pode continuar a não pagar juros sobre as reservas dos bancos comerciais, se assim resolver. Basta mudar os requisitos de reserva.

    Mais fundamentalmente, o público japonês é o credor do país; não é difícil imaginar maneiras de o governo administrar seu passivo junto ao público. Quando o governo deixar de operar com deficit primário, poderia, por exemplo, converter suas dívidas em títulos de baixo rendimento e irresgatáveis.

    O ponto mais importante é que os persistentes deficit do governo são simplesmente a imagem invertida dos imensos e persistentes superávits financeiros do setor privado. Não faz sentido discutir como o governo eliminará os primeiros sem indicar o que provavelmente acontecerá aos segundos.

    Uma possibilidade é o Japão manter superávits muito mais altos em conta corrente. Em 2015, por exemplo, teria sido necessário um superávit em conta corrente cerca de duas vezes mais alto, em valor próximo dos 6% do PIB. Os estrangeiros certamente não teriam gostado disso. A alternativa é que o setor privado japonês invista mais ou consuma mais (ou ambos).

    O problema com a primeira opção é que o setor privado japonês já tem nível excepcionalmente elevado de investimento, especialmente para um país de alta renda e com crescimento estruturalmente baixo. A dificuldade quanto à segunda opção é que o índice de poupança dos domicílios japoneses já fica perto de zero. O consumo só vai subir se a renda domiciliar subir.

    A solução não é um imposto sobre o consumo, como sugerem as opiniões respeitáveis. A solução é tributar a poupança. Os lucros não investidos e não distribuídos precisam ser transformados em consumo. Isso poderia ser feito tratando investimentos como despesas empresariais e (logicamente) eliminando as deduções por depreciação.

    A conversão dos lucros empresariais não investidos e não distribuídos em consumo privado eliminaria os superávits do setor privado, e com eles a necessidade de compensar os deficit do setor público. Caso políticas como essas não sejam adotadas, é provável que fracassem os esforços para reduzir os deficit fiscais, porque, como já aconteceu tantas vezes no passado, é provável que eles recoloquem a economia em recessão.

    Na ausência de reformas desse tipo, o setor privado japonês está condenado a emprestar ao governo o dinheiro que não pode usar no momento, com a certeza de que jamais receberá de volta o valor integral daquilo que emprestou.

    O aperto fiscal é a solução respeitável para a disparada da dívida pública japonesa. No entanto, sozinho ele não funcionará.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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