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    Mathias Alencastro

    Jeremy Corbyn e o impasse populista

    12/06/2017 02h03

    As universidades do Reino Unido têm sido o principal laboratório de ideias da esquerda europeia nas últimas três décadas. A "terceira via", que defende a conciliação da esquerda com o livre mercado, foi elaborada por Anthony Giddens na London School of Economics.

    Base programática dos governos de centro-esquerda nos anos 1990-2000, o conceito ingressou na política pelas mãos do líder do Partido Trabalhista, Tony Blair. Ele conseguiu a façanha de renovar seu mandato de primeiro-ministro em três eleições seguidas, até a desastrosa invasão do Iraque, em 2003, liquidar o seu capital político.

    Kirsty Wigglesworth-12.set.15/Associated Press
    Jeremy Corbyn waves on stage after new is announced as the new leader of The Labour Party during the Labour Party Leadership Conference in London, Saturday, Sept. 12, 2015. Corbyn will now lead Britain's main opposition party. (AP Photo/Kirsty Wigglesworth) ORG XMIT: LKW101
    O líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn

    O "populismo", redefinido por Ernesto Laclau como a disputa entre o povo e a elite, ganhou notoriedade com os debates organizados por Chantal Mouffe na Universidade de Essex, também no Reino Unido.

    Influenciadas pelo sucesso da esquerda latino-americana da década passada, as ideias populistas orientaram a campanha do líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. Sua notável performance nas legislativas põe um ponto final na era Blair e, de quebra, na experiência trabalhista com a terceira via.

    Essa virada de página da esquerda britânica acompanha uma tendência da Europa continental, onde movimentos inspirados pelas teses de Laclau estão colocando os partidos que adotaram a terceira via em risco existencial.

    Aproveitando a crise de legitimidade da classe política depois do colapso do sistema financeiro em 2008, os populistas de esquerda criaram partidos do zero como o espanhol Podemos, costuraram frentes multipartidárias à imagem do grego Syriza, ocuparam estruturas tradicionais da envergadura do Partido Trabalhista britânico e armaram campanhas em torno de tribunos carismáticos ao estilo do francês Jean-Luc Mélenchon.

    A aposta na inovação tecnológica e renovação política rendeu a adesão em massa dos jovens : 63% da faixa 18-34 anos preferiu Corbyn.

    Porém, esses movimentos continuam longe do poder.

    O Syriza abandonou a plataforma populista no verão quente de 2015. A derrota do Podemos nas eleições de 2016, nas quais era favorito, abriu um racha no partido. Apesar de ter chegado em terceiro nas presidenciais de 2017, o partido de Mélenchon, França Insubmissa, parece prometido a um espaço modesto na Assembleia Nacional.

    A celebração efusiva do resultado de Corbyn mostra como a esquerda se acostumou com vitórias de Pirro. No melhor dos casos, a conservadora Theresa May será obrigada a convocar novas eleições. No pior, ela governará em aliança com a ultradireita. O caminho de Jeremy Corbyn para Downing Street, sede do governo, ainda é longo e tortuoso.

    Existem alternativas ao impasse populista. Em Portugal, o Partido Socialista costurou uma coalizão heteróclita, incorporando o vanguardista Bloco de Esquerda e o jurássico Partido Comunista.

    Liderada por Antônio Costa, a aliança é admirada por ter feito o impossível: desacelerar a austeridade sem alienar os mercados, e convencer a União Europeia sem perder o apoio do seu eleitorado. Para a esquerda portuguesa, é possível renovar sem se abster de governar.

    mathias alencastro

    É cientista politico e doutor pela Universidade de Oxford. Escreve às segundas, a cada duas semanas, sobre política europeia e africana.

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