• Colunistas

    Monday, 29-Apr-2024 00:46:04 -03
    Mathias Alencastro

    China na África, Brasil fora dela

    10/07/2017 02h00

    O relatório "Dançando com Leões e Dragões", publicado recentemente pela consultoria McKinsey, derruba dois grandes mitos sobre o investimento da China na África: a centralidade do Estado chinês e a pouca integração de seus investimentos com a economia local.

    Sucede que, dentre as aproximadamente 10 mil empresas chinesas espalhadas pelo continente, 90% são privadas, além do que 90% dos seus empregados são africanos.

    Minoru Iwasaki - 2.set.2016/Reuters
    Brazil's President Michel Temer (C) introduces his delegate to Chinese President Xi Jinping (R) during their meeting at the West lake State Guest House in Hangzhou, Zhejiang Province, China, September 2, 2016. REUTERS/Minoru Iwasaki/Pool ORG XMIT: PEK65
    O chanceler brasileiro José Serra (à esq.), o presidente Michel Temer e o presidente chinês, Xi Jinping, em setembro de 2016

    Difícil imaginar que, até poucos anos atrás, as presenças chinesa e brasileira na África eram dispostas lado a lado. No começo do século 21, a estratégia das duas potências emergentes parecia semelhante tanto nos seus objetivos quanto nos seus meios: ambas buscavam acesso privilegiado ao competitivo mercado de recursos naturais africano e, para isso, liberavam empréstimos através dos seus bancos públicos para financiar projetos conduzidos por empreiteiras nacionais.

    A partir de 2014, a queda contínua do preço das commodities colocou em xeque essa iniciativa. O governo Dilma Rousseff aproveitou para descontinuar o financiamento de programas brasileiros na África, cujo valor estratégico parecia dar mostras de desconhecer.

    O seu sucessor, Michel Temer, reduziu o projeto de inserção do Brasil na África, considerada como última fronteira do capitalismo, a uma querela provinciana sobre orçamento de embaixadas.

    A China, no compasso contrário, dobrou a aposta, e fez da África um pilar da sua transição de potência exportadora para potência de consumo. Confrontado ao aumento de salários locais, parte do empresariado chinês se estabeleceu em países africanos, onde tem conseguido em poucos anos o que os europeus tentaram sem sucesso durante um século: acelerar a industrialização do continente. A Etiópia, por exemplo, criou do zero uma industria têxtil com o apoio de investidores chineses. Virou moda dizer que o próximo Made in China será o Made in Ethiopia.

    Parece que a imagem do Brasil e da China na África foi praticamente invertida nos últimos anos. Outrora vista como uma atividade neocolonial, o investimento chinês se tornou sinônimo de empreendedorismo africano.

    Enquanto isso, o Brasil, até então apreciado pelo seu discurso de grande país multicultural formado por afrodescendentes, teve a sua reputação manchada pela deserção dos seus governantes e empresários.

    Obviamente, a China também enfrenta problemas na África. Dois anos atrás, as autoridades chinesas prenderam Sam Pa, um dos principais intermediários de negócios africanos, por seu envolvimento em inúmeros escândalos de corrupção. No momento, a China tem de lidar com a incapacidade crônica dos países africanos de cumprir as suas obrigações financeiras.

    Contudo esses reveses não fizeram a China abandonar os seus objetivos de longo prazo. No Brasil, por outro lado, cada notícia negativa vinda da África é apresentada como mais uma prova de que os brasileiros nunca deveriam ter saído de casa. Bem longe de qualquer complexo de vira-lata, os chineses mostram que o caminho é investir mais, e não menos, na África.

    mathias alencastro

    É cientista politico e doutor pela Universidade de Oxford. Escreve às segundas, a cada duas semanas, sobre política europeia e africana.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024