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    Mathias Alencastro

    Portugal chega ao esplendor ao unir austeridade e investimento social

    02/10/2017 02h00

    Na sua coluna intitulada "Certas afirmações econômicas são como Jason e Freddy Krueger", Alexandre Schwartsman recicla o argumento sobre a importância das reformas de FHC para o sucesso dos governos do PT com a finalidade de afirmar que, em Portugal, o atual governo de centro-esquerda liderado por António Costa está colhendo os benefícios do ajuste conduzido pelo governo de centro-direita de Pedro Passos Coelho (2011-2015).

    Uma leitura correta, mas que pode ser complementada.

    Com efeito, Passos Coelho alcançou resultados excepcionais na redução do deficit fiscal. Porém, durante o seu mandato, Portugal regressou à condição de exportador de "gado humano", segundo a expressão do historiador oitocentista português Oliveira Martins.

    Cerca de um quarto da população na faixa etária entre os 20 e os 35 anos partiu para outros países em busca de trabalho.

    No mais, a aposta do governo em Angola, uma tentativa desesperada de salvar o sistema financeiro, teve consequências catastróficas: em 2013, o Banco Espírito Santo entrou em colapso porque transformou a sua sede angolana em um balcão de negócios duvidosos a serviço da oligarquia local.

    O atual governo português tinha tudo para dar errado. A aliança entre o reacionário Partido Comunista, o eurocético Bloco de Esquerda e o descreditado Partido Socialista suscitava a desconfiança do mercado, que adivinhava em Portugal uma nova Grécia.

    No entanto, a "Geringonça", tal como a coalizão governista é conhecida, tem desmentido todas as previsões da OCDE e do FMI, cumprindo as metas fiscais que fixou: 2% de déficit em 2016 e, ao que tudo indica, 1,5% em 2017. 

    Schwartsman tem razão em afirmar que o atual governo não apresentou uma alternativa à austeridade. Todavia, como disse em 2003 o então presidente de Portugal Jorge Sampaio, "há mais vida para além do orçamento".

    Respeitando o controle das despesas públicas, Costa apostou nas áreas sociais, aumentando o número de profissionais da saúde e da educação e acelerando a reposição gradual de salários.

    Por meio dessas medidas, a "Geringonça" conseguiu feito inédito entre os governos do sul da Europa: recompor o pacto social sem hostilizar a cúpula da União Europeia.

    Essa conquista, que ajuda a entender o fracasso do populismo em Portugal, potencializou uma série de possibilidades.

    Wang Ying/Xinhua
    O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, em discurso na ONU
    O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, em discurso na ONU

    Em uma Europa cada vez mais imprevisível, os investidores viram um valor-refúgio no pacato, liberal e ensolarado "west coast" europeu. O consequente desembarque de turistas e empresários devolveu a Portugal todo o seu esplendor.

    Enquanto isso, na Espanha, o desempenho econômico esconde uma realidade calamitosa.

    Entre uma monarquia impopular, um Executivo moribundo, uma esquerda mergulhada numa guerra fratricida e um risco real de separatismo regional, a austeridade deu nova vida aos fantasmas dos anos 1930 no país.

    Comparar Espanha e Portugal é comparar um ajuste selvagem que provoca um regresso ao século 20 e uma gestão responsável que consolida a entrada no século 21.

    mathias alencastro

    É cientista politico e doutor pela Universidade de Oxford. Escreve às segundas, a cada duas semanas, sobre política europeia e africana.

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