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    Mathias Alencastro

    O Brasil se cala diante das ditaduras africanas

    27/11/2017 02h01

    Philimon Bulawayo-17.nov.17/Reuters
    O ex-ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, durante cerimônia de graduação em Harare, nesta sexta
    O ex-ditador Robert Mugabe durante cerimônia de graduação em Harare dias antes de renuciar

    Em artigo para este jornal no mês passado, o ministro das Relações Exteriores tentou tirar a política africana do coma em que foi colocada por Dilma Rousseff e no qual vem sendo mantida pelo atual governo. O chanceler Aloysio Nunes elencou prioridades comerciais, promoveu um programa de cooperação, sublinhou a importância dos laços culturais e ignorou questões de democracia e direitos humanos.

    Uma omissão notável, tendo em conta que a queda de Robert Mugabe no Zimbábue foi apenas o ponto alto de um movimento antiautoritário na escala continental. Neste ano, três potencias regionais, a Nigéria, o Quênia e Angola, tiveram a sua democracia reforçada por processos eleitorais. Por sua vez, Moçambique e Senegal, aliados históricos do Brasil, superaram uma transição de poder delicada.

    O mutismo do ministro, todavia, não deveria surpreender. Afinal, era de caso pensado. Desde a redemocratização, a agenda africana do Itamaraty se pauta pelo pragmatismo. Escondendo-se por trás da doutrina do não intervencionismo, o governo cala-se diante dos abusos das políticas nacionais africanas. Uma atitude muito apreciada pelas autocracias reinantes, que retribuem com vantajosos negócios.

    Em 1999, Fernando Henrique Cardoso sublinhou em discurso oficial a sua "admiração pelo papel histórico de liderança exercido pelo presidente Mugabe", apesar de o regime no país se arrastar então por quase 20 anos. Em 2001, o Zimbábue adquiriu do Brasil US$ 5,8 milhões em bombas incendiárias e de fragmentação, vetadas por convenção internacionail assinada por mais de cem países.

    Na era Lula, o governo abriu as portas para a Guiné Equatorial. A tirania familiar dos Obiang correspondeu com contratos bilionários para empreiteiras brasileiras. Em 2015, enquanto a Human Rights Watch denunciava o governo pela tortura sistemática de opositores, a escola de samba Beija-Flor celebrava o "mundo imaginário" da Guiné Equatorial no carnaval carioca.

    Os defensores dessa realpolitik afirmam que, na África, é impossível conquistar mercados sem pactuar com os autocratas. Em 2010, instado a comentar as relações com a Guiné Equatorial, o chanceler Celso Amorim limitou-se a declarar que "negócios são negócios".

    Os últimos acontecimentos têm mostrado que a colusão com ditaduras, além de reprovável, também pode se revelar um mau negócio.

    Na República da Guiné, o presidente democraticamente eleito Alpha Condé revogou os bilionários direitos de exploração da Vale, obtidos na ditadura de Lansana Conté de forma, no mínimo, duvidosa.

    Em Angola, a Odebrecht está vendo seu império ruir por causa da sua associação com a família Santos, proscrita após a sucessão de José Eduardo dos Santos na presidência.

    Ao contrário das antigas potências imperiais, que têm uma presença estruturante no continente da qual os governantes africanos dificilmente poderiam se desligar, o Brasil é um aliado recente e, por isso, descartável.

    Mais uma razão para o país não colocar todas suas as fichas em ditaduras e apostar mais na defesa da democracia.

    mathias alencastro

    É cientista politico e doutor pela Universidade de Oxford. Escreve às segundas, a cada duas semanas, sobre política europeia e africana.

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