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    Mathias Alencastro

    Na questão LGBT, seleção começa Copa da Rússia perdendo de 7 a 1

    11/12/2017 02h00 - Atualizado às 21h35
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    Não se trata, obviamente, de uma inocente coincidência o fato de Vladimir Putin anunciar a sua recandidatura à presidência da Rússia dias depois do sorteio dos grupos da Copa do Mundo.

    A competição tem como função celebrar o retorno da Rússia a uma posição central na geopolítica. Sem dúvida, essa é a sua maior conquista desde que assumiu o controle do país em 2000.

    Entre a ocupação efetiva da Crimeia, a vitória militar na Síria, e a alegada interferência nos processos eleitorais ocidentais, Putin restituiu a respeitabilidade a um país que tinha virado piada durante o governo do seu predecessor, o ex-presidente Boris Ieltsin.

    Sergei Karpukhin - 8.mar.2011/Reuters
    Ramzan Kadyrov disputa jogada com Dunga em jogo festivo na Thetchênia em 2011
    Ramzan Kadyrov disputa jogada com Dunga em jogo festivo na Tchetchênia em 2011

    O futebol teve um papel essencial nesse processo. Para consolidar o seu poder, Putin apoiou a ascensão de empresários que se apropriaram dos principais recursos naturais e da indústria militar depois do colapso da União Soviética.

    Os clubes de futebol fizeram parte de uma teia de investimentos desses novos oligarcas nos centros de lavagem de dinheiro da Europa.

    Enquanto Roman Abramovich elevava o Chelsea de clube médio inglês a potência continental em apenas uma década, os russos se tornavam fregueses do mercado imobiliário de luxo londrino.

    Pouco depois do seu compatriota Dimitry Rybolovlev colocar o pacato Mônaco na semi-final da Liga dos Campeões na temporada passada, o ministro da Justiça do principado foi obrigado a se demitir, em face das acusações de fazer vista grossa aos negócios espúrios da comunidade russa.

    Porém, a mais grotesca tentativa de instrumentalização do futebol pelos aliados do governo Putin contou com a cumplicidade de brasileiros ilustres.

    A Tchetchênia, uma turbulenta região do sudeste da Rússia, atravessou nos últimos 25 anos duas guerras, uma rebelião separatista, além de uma onda de ataques terroristas. Dezenas de milhares de pessoas foram assassinadas.

    Para conter a instabilidade, o governo Putin recorreu à força bruta de Ramzan Kadyrov, o vice-rei local, que monopolizou o poder por meio de campanhas de repressão coletiva a grupos minoritários.

    Nesse clima de medo e humilhação, a comunidade LGBT é particularmente visada na região. Segundo relatos de ativistas, mais de cem indivíduos foram presos e torturados em prisões secretas apenas em abril deste ano.

    Desnecessário dizer que o governo da Tchetchênia tem uma reputação internacional abominável. Para a sua satisfação, estrelas do futebol brasileiro colocaram o seu talento promocional à disposição.

    Em 2011, um time capitaneado por Kadyrov enfrentou uma "seleção brasileira" liderada pelos ex-jogadores Bebeto, Cafu, Dunga e Romário, numa farsa de jogo que terminou em emocionantes 6 a 4 para os visitantes.

    Nesse mesmo ano, Roberto Carlos trocou o Corinthians pelo clube local, propriedade de um comparsa de Kadyrov, e, em junho último, quando a repressão da comunidade LGBT atingia o seu auge, Ronaldinho Gaúcho prestigiou a celebração do aniversário de Putin organizada em Grozny, a capital regional.

    Porque seus craques se deixaram manipular por um algoz, a seleção brasileira chegará na Rússia perdendo de 7x1 na questão dos direitos LGBT.

    mathias alencastro

    É cientista politico e doutor pela Universidade de Oxford. Escreve às segundas, a cada duas semanas, sobre política europeia e africana.

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