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    Matias Spektor

    Sem fronteiras

    19/02/2014 03h00

    Causou furor nas redes sociais a redução do número de vagas para o próximo concurso do Instituto Rio Branco, que há pouco selecionava mais de cem candidatos por ano e agora pinçará apenas 18.

    O barulho ofuscou duas notícias importantes. Primeiro, a boa. Depois, a deprimente.

    O chanceler Luiz Alberto Figueiredo acaba de circular a seguinte consulta entre seus funcionários, que devem respondê-la em caráter anônimo: que medidas poderiam ser adotadas para aprimorar o funcionamento de sua unidade de trabalho? E o funcionamento do Ministério das Relações Exteriores? E sua situação pessoal? Outros comentários ou sugestões?

    Abre-se uma rara temporada de criatividade na complexa Nave Mãe que é o Itamaraty.

    Já tem gente oferecendo dicas práticas para transformar o Rio Branco em escola de formação profissional, para modernizar os métodos de trabalho e para reduzir o desperdício boçal com aluguéis e passagens (que beneficia prestadores de serviço, mas nem sempre os próprios funcionários).

    Junto ao chamado "Livro Branco de Política Externa" –o inventário da situação do ministério que está em vias de elaboração–, a consulta de Figueiredo pode ser um valioso instrumento de política pública.

    A segunda notícia é lamentável.

    Uma das principais iniciativas de política externa deste governo é o Ciências sem Fronteiras, que financia a ida de 100 mil estudantes para universidades estrangeiras.

    Gente interessada até tem, mas muitos travam na barreira da língua. Dos 18 mil alunos destinados para os Estados Unidos, 43% precisam de curso linguístico adicional e, por isso, não têm aceite garantido no curso acadêmico.

    Para solucionar o problema, os técnicos do programa desenvolveram o "Inglês sem Fronteiras", em parceria com a National Geographic. É um investimento inteligente e de longo prazo.

    Só que o governo se interessa menos pelos alunos do que pelo cumprimento da meta arbitrária dos 100 mil. Assim, decidiu despachar meninos para os países de destino a fim de estudar inglês, não ciência.

    Espera-se que eles adquiram fluência em língua estrangeira, em nível acadêmico, em poucos meses.

    Além de irrealista, a medida é um desperdiço faraônico de dinheiro público.

    Agora, o governo precisa decidir o que fazer com aqueles alunos que, mesmo depois do intensivão de línguas no exterior, ainda não conseguem aceite nas universidades por falta de fluência.

    A Capes sugeriu trazê-los de volta de imediato. No entanto, como revelou esta Folha no domingo passado, o governo rejeitou a proposta "devido ao potencial impacto político do seu retorno". Os meninos continuam fora, estudando línguas por doze meses, a custo de ouro.

    Enquanto isso, o Ciência sem Fronteiras está solicitando uma suplementação orçamentária de R$ 863 milhões. Afinal, já estamos no último ano do programa e ainda falta mandar quase 40 mil alunos para cumprir a meta.

    Quem entende do riscado sabe que ela só será atingida com contabilidade criativa.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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