• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 19:59:24 -03
    Matias Spektor

    Trocando figurinhas

    02/04/2014 03h11

    O PSDB organiza seu primeiro evento internacional em torno da candidatura do senador Aécio Neves. A intenção é sinalizar ao eleitor brasileiro que um governo tucano fará uma guinada em política externa.

    Tudo ótimo com isso, não fosse a lista tentativa de convidados: Álvaro Uribe (Colômbia), Henrique Capriles (Venezuela), Ricardo Lagos (Chile) e Sergio Massa (Argentina).

    A foto de Aécio rodeado por essa turma equivale a um prato servido em bandeja de prata para a campanha do PT.

    Afinal, contra Uribe pesam graves acusações de abuso de direitos humanos e outras ilegalidades. Capriles depende da dinâmica imprevisível que assola seu país, e o esforço para apresentar-se como a opção moderada ainda não ganhou raiz. Lagos deixou o poder com 70% de aprovação popular. Há oito anos.

    E tem o convidado argentino. Educado no esquema de poder de Carlos Menem e treinado no kirchnerismo, Massa tem um histórico de posições capaz de deixar Aécio absorto num silêncio constrangedor.

    Esses convidados não têm projeto político possante nem projeção internacional capaz de alavancar um presidenciável brasileiro. Transformá-los em companheiros de travessia por quê?

    Ao utilizar esse método para diferenciar-se da política externa de Lula e Dilma, o PSDB arrisca cometer o equívoco pelo qual denunciou o PT durante anos: a partidarização da política externa. Agora, em vez de avançar pela esquerda, ela avançaria pela direita.

    Se esse encontro for adiante, a campanha de Dilma não será a única beneficiada.

    Ao apresentar a política externa de Aécio em termos anti-Lula, os tucanos também abrem caminho para o candidato melhor posicionado apresentar um projeto pós-Lula: Eduardo Campos.
    Esta coluna analisará o projeto internacional de Campos nas próximas semanas.

    É possível Aécio marcar diferença clara em relação a Dilma sem precisar se vincular a políticos sul-americanos de estirpe duvidosa?

    Claro que sim. Mas ele teria de partir para o ataque sem viseira ideológica.

    No Equador, o tucano encontraria Rafael Correa para apresentar-lhe uma proposta de transparência para os contratos internacionais do BNDES.

    Correa pode ser dilmista, mas seu interesse em acabar com a opacidade dos empréstimos falará alto.

    Na Bolívia, Aécio encontraria Evo Morales e os governadores do país para ouvir suas reclamações a respeito de Brasília. A lista é extensa.

    No Paraguai, o candidato do PSDB mostraria ao público brasileiro que a única forma de lidar com o narcotráfico, o crime organizado e o contrabando de armas leves que embrutece nossa vida cotidiana é um programa sério de cooperação com o país vizinho.

    Nem Lula nem Dilma tentaram algo assim. Solidariedade regional é isso.

    Na Venezuela, Aécio encontraria estudantes, líderes de oposição e o próprio Nicolás Maduro. Maduro é dilmista, claro. E daí?

    Estadista senta à mesa para resolver problemas, não para trocar figurinha.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024