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    Matias Spektor

    Tudo como está

    28/05/2014 02h00

    O primeiro documento advogando o fim do Mercosul chegou ao Palácio da Alvorada em 1998. A proposta era tão ousada que o papel não tinha timbre nem assinatura. A união aduaneira encontra-se esgarçada, afirmava, e a relação com a Argentina, no fundo do poço. "Chegou a hora de pensarmos uma alternativa."

    FHC rejeitou a possibilidade de abandonar o bloco, mas inventou uma alternativa: alargá-lo. O presidente propôs a inclusão da Venezuela de Hugo Chávez e acelerou negociações com outros blocos, duas medidas para gerar mais –não menos– integração. O Planalto tucano fez isso reorientando a política regional, que trocou seu foco no "Cone Sul" pela "América do Sul".

    Para fazer o projeto decolar, o governo deu crédito às empreiteiras brasileiras dispostas a expandir corredores de integração física com os vizinhos, criando acesso a regiões remotas com estradas, ferrovias, portos e sistemas de controle aéreo.

    Lula pegou a ideia e pisou no acelerador. Em tempo recorde, o Mercosul ganhou tribunal de apelações, uma secretaria-geral, um Parlamento e um mecanismo de financiamento. As regras do BNDES mudaram para permitir empréstimos para fora do país. E criou-se a Unasul.

    Logo no início, a Unasul adquiriu força inesperada. Rebateu com êxito iniciativas militares, políticas e comerciais dos EUA e virou plataforma privilegiada para denunciar o neogolpismo em países como Equador, Honduras, Venezuela e Paraguai.

    Pela primeira vez, o Brasil contou com uma estrutura institucional básica para regionalizar seu capitalismo. Houve enormes ganhos.

    Mas, de lá para cá, esse modelo de integração mostrou limitações. O Brasil não investe os recursos necessários para manter a operação ""nem financeiros, nem políticos.

    O tribunal de apelações emitiu apenas seis sentenças, o Parlamento não desenvolveu competências nem representação popular e a ideia de um tribunal de Justiça morreu na praia. As secretarias executivas de Mercosul e Unasul são esquálidas.

    Em Brasília, nenhuma agência coordena o trabalho pró-integração dos vários ministérios e autarquias, nem caça oportunidades na região para projetar instituições nacionais como a OAB e o sistema Sesi/Senai. No governo, não há diagnósticos nem estudos sérios sobre como projetar políticas sociais região afora.

    Nessas condições, os vizinhos acham difícil seguir a gente a reboque. Quando o Equador denunciou a opacidade do BNDES, por exemplo, fez-se um ajuste para acomodar a demanda pontual, sem solução geral e duradoura.

    Essa política regional de compromissos formais e institucionalização minimalista sobrevive incólume porque beneficia poderosos grupos de interesse. Ganham as "campeãs nacionais" com seu crédito subsidiado, assim como ganham os governadores de Estados fronteiriços e suas respectivas bancadas no Congresso. Quem perde é quem tem pouca capacidade de vocalizar demandas: o povo brasileiro.

    Por isso, seja quem for o próximo presidente, salvo um grande choque externo, o Brasil não reformará nem abandonará Mercosul/Unasul. Tudo ficará como está.

    @MatiasSpektor

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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