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    Matias Spektor

    Antes dos Brics

    23/07/2014 02h39

    George Bush e Al Gore estavam em plena corrida eleitoral no segundo semestre de 2000 quando o embaixador de FHC nos Estados Unidos entrou em contato com a assessoria dos candidatos.

    "Vocês precisam prestar atenção no Brasil", afirmou Rubens Barbosa. "Não somos apenas um país latino-americano. Somos um dos Big Four, junto com Índia, China e Rússia."

    Ninguém em Washington enxergava no Brasil um peso pesado. Na visão dominante, sua economia era instável e sua sociedade, atrasada. A sigla Bric ainda não existia.

    Em seguida à vitória de Bush, Barbosa enviou um telegrama secreto para o Itamaraty: "O momento de agir e de lançar as bases de um novo relacionamento [com os Estados Unidos] é agora". E apresentou um projeto para elevar o perfil brasileiro na capital americana.

    No entanto, o embaixador ficou sem resposta. A relação diplomática entre os dois países ia de mal a pior, e ninguém em Brasília estava disposto a bancar uma grande iniciativa.

    Esse era o clima quando FHC encontrou Bush pela primeira vez, no início de 2001.

    Os dois presidentes seguiram o script da conversa à risca durante a parte formal do encontro. Porém, nos 18 minutos que tiveram de conversa reservada, o diálogo empacou.

    FHC propôs um acordo entre Mercosul e Estados Unidos como forma de evitar uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), mas Bush desconversou.

    Em seguida, FHC mencionou a reforma do Conselho de Segurança da ONU. "A ONU é um shopping center de boas ideias", diria Bush a Lula anos depois.

    Em 2001, falando com FHC, o presidente americano deu uma resposta que pegou a diplomacia brasileira de surpresa. "Vocês precisam entrar para o G7", disse Bush.

    Era uma ideia radical. Afinal, o G7 era um clube exclusivo que mantinha um diálogo formal com a Rússia, mas não com países como o Brasil.

    Em tese, a proposta era excelente para FHC, que insistia em uma "repactuação" do poder mundial. No entanto, a documentação disponível revela que o tucano deixou o comentário sem resposta.

    Por quê?

    Segundo um assessor, a proposta soava tão irrealista que mais parecia uma tentativa americana de desviar a conversa.

    Não é essa a memória americana. "As palavras de Bush eram genuínas", lembra um colaborador de Bush. "Cardoso deveria ter se agarrado a elas."

    Nas semanas seguintes, a Casa Branca plantou o boato em Wall Street de que pressionaria os europeus a expandir o G7, abrindo espaço para grandes economias emergentes.

    Por isso, ninguém na equipe de Bush se surpreendeu quando o banco Goldman Sachs cunhou a expressão Bric.

    A caracterização de Brasil, Rússia, Índia e China como membros de um mesmo clube era mais do que mera aposta econômica. "O G7", concluía o relatório do banco, em sintonia com o governo americano, "precisa ser ajustado."

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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