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    Matias Spektor

    Diplomacia da transição

    29/10/2014 02h00

    A diplomacia do primeiro mandato de Dilma Rousseff não teve distinção conceitual daquela implementada pelo ex-presidente Lula.

    Ela manteve intactos os elementos centrais.

    Primeiro, a busca de relações corretas, não antagônicas, com os Estados Unidos.

    Segundo, cooperação ativa com vizinhos na tentativa de transformar a América do Sul num espaço geopolítico próprio e com orientação de esquerda.

    Terceiro, o compromisso irreversível com disciplinas internacionais em livre comércio, direitos humanos, meio ambiente, finanças e não proliferação nuclear.

    Quarto, ênfase em coalizões com países em desenvolvimento capazes de contestar a visão do Norte sobre governança global de forma moderada, sem rupturas.

    Quinto, o alinhamento da máquina do Estado ao projeto de internacionalização do capitalismo brasileiro.

    Muitos elementos desse pacote foram herdados de governos prévios ao PT. No entanto, foi com Lula e depois com Dilma que viraram projeto estratégico preciso.

    Ajudou para isso a crença segundo a qual a política externa é um campo de batalha bem definido do partido na disputa contra a oposição liderada pelo PSDB.

    No entanto, a interseção entre a diplomacia de Lula e a de Dilma em seu primeiro mandato começa e termina aí. Na prática, ao implementar sua política externa no dia a dia, o primeiro mandato de Dilma não representou continuidade em relação a Lula. Por quê?

    Alguns dos motivos dizem respeito à política interna. Como Dilma nunca enxergou na diplomacia uma alavanca para ganhar autoridade em casa, o assunto recebeu atenção limitada.

    Além disso, Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia, os dois pesos-pesados da diplomacia lulista, ficaram no governo, mas encarregados de tocar outras coisas.

    Dilma tampouco concebeu a diplomacia como combustível de baixo custo para manter a militância petista e os movimentos sociais energizados.

    Em direitos humanos, agiu de olho em Belo Monte e para evitar críticas ao sistema prisional. No quesito LGBT, agiu apenas no fim do mandato, atenta à ameaça de Marina Silva.

    Os principais motivos da descontinuidade do mandato de Dilma em relação a Lula foram, acima de tudo, internacionais.

    Ela enfrentou um sistema menos maleável e mais hostil. Em seu governo, a crise financeira global bateu com força, o G8 recuperou o terreno perdido para o G20, a América do Sul ficou mais difícil de operar, e as crises de Líbia, Ucrânia, Síria e Estado Islâmico restauraram a agenda das grandes potências, em detrimento dos países emergentes.

    O escândalo da espionagem americana e as dificuldades de reviver a OMC só pioraram a situação.

    O resultado disso é que a posição relativa do Brasil no mundo em 2014 é pior do que a de 2010.

    Pela primeira vez em 20 anos, um governo recém-eleito não pegará o país em trajetória internacional ascendente.

    O grupo de colaboradores presidenciais que sairá vitorioso do embate interno nestas oito semanas de transição será forçado a levar essa realidade em conta.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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