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    Matias Spektor

    A Casa Branca de Dilma

    12/11/2014 02h00

    O governo americano soltou nota sobre a reeleição de Dilma menos de 24h depois do pleito.

    No dia seguinte, houve telefonema do presidente Barack Obama e, uma semana depois, de Joe Biden, o responsável pelo Brasil em Washington.

    Ambos disseram à presidente querer remarcar logo a data da visita de Estado suspensa. O momento da proposta, respondeu a presidente Dilma ao telefone, é "extremamente oportuno".

    Quando ocorrer, a visita ajudará a tirar a relação bilateral do buraco onde se encontra desde o escândalo da espionagem.

    O trabalho diplomático será árduo porque os dois países ficaram sem o principal mecanismo capaz de servir como âncora e alavanca da relação nos próximos anos: o contrato bilionário para os jatos da Boeing que, na concepção original, facilitaria o engajamento muito além da mera cooperação militar.

    Além disso, vigora hoje um ceticismo profundo no establishment americano a respeito do Brasil.

    Não se trata apenas do mal-estar causado pela chamada "nova matriz econômica".

    Na percepção norte-americana, em temas candentes como Estado Islâmico, Síria, Líbia, Irã, Rússia e comércio internacional, a atitude brasileira é imprevisível ou obstrucionista.

    Por que, então, a insistência na visita de Estado?

    Um fator, claro, é dinheiro. O comércio entre os dois países mais que dobrou em 12 anos e os fluxos de investimento são bárbaros, mas há espaço para muito mais.

    Além disso, ninguém em Wall Street teme um calote brasileiro.

    Outro fator é político. Obama aproxima-se do fim do mandato com uma economia fortalecida, mas com uma base política esfacelada.

    Assim, está obcecado pelo legado que deixará nos livros de História. Em pelo menos duas instâncias -energia e mudança do clima-, poucos países emergentes têm mais a oferecer que o Brasil.

    Claro, há entraves enormes para a cooperação. A promessa original do etanol, por exemplo, afundou diante do pré-sal.

    A promessa do engajamento em tecnologia esbarra até hoje em camadas de burocracia. O custo de tentar, porém, é baixo.

    Um fator adicional é a América do Sul. Ali, Brasil e Estados Unidos têm posições diferentes, mas não são adversários.

    Pelo contrário, Washington aprendeu que não vale a pena se chocar de frente com Brasília nesses temas, sendo melhor tirar vantagem da capacidade brasileira de ter relações positivas com toda a vizinhança (apesar das divisões que racham a região e das tensões existentes entre o próprio Brasil e seus vizinhos).

    Na perspectiva americana, isso importa porque Dilma poderá ter papel positivo nos dois testes regionais de 2015 -o fim do ciclo kirchnerista na Argentina e as eleições parlamentares do chavismo na Venezuela, áreas onde a influência americana é ínfima ou negativa.

    A ida de Dilma à Casa Branca repetirá o padrão bilateral dos últimos anos -discórdia temperada por boa dose de acomodação. Podia ser bem pior.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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