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    Matias Spektor

    Diplomacia do ajuste

    21/01/2015 02h00

    Está inaugurada a nova era de austeridade fiscal.

    Com um corte do gasto público da ordem de 2% do PIB e a elevação de impostos na véspera do foro de Davos, o governo sinaliza ao mundo para onde vai.

    O movimento é de caráter preventivo. Faz-se a arrumação da casa por conta própria, evitando que o mercado global de capitais o faça por meio de um choque externo com consequências ainda mais nefastas para a população.

    Só que um ajuste fiscal geralmente tem implicações diplomáticas. Ao cortar gastos, o governo é forçado a rever suas ambições internacionais para baixo, despertando em seus parceiros mundo afora uma expectativa de retração.

    No entanto, não será esse o caso desta vez.

    A nova política econômica do governo não levará ninguém a apostar em grandes cortes na política externa.

    O motivo é simples: o ajuste já foi feito e a retração já ocorreu.

    O lado mais palpável dessa história é o orçamento do Itamaraty, que foi reduzido de maneira feroz. Mas outras áreas da máquina pública tiveram experiência igual.

    Muito antes da chegada de Levy, a Agência Brasileira de Cooperação já perdera a capacidade de atuação, enquanto as embaixadas e consulados na África e no Oriente Médio já estavam na escassez.

    O real vinha se desvalorizando, a China desacelerava e o preço das commodities já vinha em curva decrescente, complicando a capacidade brasileira de operar na economia global.

    Muito antes da chegada de Levy, o Brasil já se encontrava sem a projeção internacional na América do Sul e nos foros multilaterais que chegara a ter em meados da década de 2000.

    Os escândalos de corrupção dos últimos meses terminaram por completar o ajuste, pois sacudiram as grandes multinacionais e, de quebra, o BNDES, instrumentos fundamentais da projeção do capitalismo brasileiro pelo mundo.

    Hoje, a exceção ao ajuste é a missão de paz no Haiti, item unitário mais custoso da diplomacia brasileira. Fora isso, não tem muito mais onde cortar.

    O problema com o ajuste diplomático desses últimos anos é ter sido feito a toque de caixa e no improviso. O aperto foi implementado sem um arrazoado sobre prioridades de política externa e sobre estratégias alternativas para o futuro.

    Em termos de pensamento estratégico, continuamos hoje onde estávamos há dez anos, só que sem o dinheiro que jorrava há dez anos.

    O resultado melancólico disso é não termos hoje uma diplomacia enxuta e, portanto, pronta para embarcar num novo ciclo de expansão assim que os ventos soprarem a favor e o dinheiro voltar a jorrar.

    O que temos, por enquanto, é uma diplomacia encolhida pelas circunstâncias.

    Tomara que quem manda saiba enxergar nos anúncios de Levy a luz no fim do túnel e aposte desde já no processo de restauração.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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