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    Matias Spektor

    Política externa para-lamas

    DE SÃO PAULO

    04/02/2015 02h00

    A cultura da corrupção empobrece o Brasil desde sempre.

    Estima-se que a roubalheira envolvendo cofres públicos tenha custado até 5% do PIB só na última década. E quando Collor foi posto para fora, em 1992, o índice de confiança nos políticos era de 31%.

    Treze anos depois, durante o mensalão, era de apenas 8%. O Petrolão é o mais novo capítulo.

    Trata-se do maior escândalo de corrupção na história das democracias contemporâneas –pelo volume de dinheiro envolvido e pela profundidade do envolvimento do poder público.

    Isso tem efeito péssimo sobre as relações internacionais do país por vários motivos. Abre-se a porta para o horror dos processos judiciais no estrangeiro. Reduz-se o ritmo de internacionalização do capitalismo nacional.

    Além disso, cai por terra a imagem de um país orientado por uma agenda de reformas progressistas. E os países que já contrataram dívidas e obras com bancos e empresas brasileiras têm agora incentivo para revisar seus cálculos.

    Na percepção de boa parte do planeta, estamos de fato na companhia de China e Rússia, notáveis cleptocracias. Há certa injustiça nisso. Afinal, o ambiente institucional brasileiro dos últimos vinte anos nessa matéria mudou muito.

    É notável a performance de instituições como Polícia Federal, Ministério Público, Controladoria Geral da União e Ordem dos Advogados do Brasil.

    O mesmo vale para a sociedade civil, vide o trabalho de Transparência Brasil, Congresso em Foco, Movimento Voto Consciente e Associação dos Magistrados Brasileiros.

    O governo deveria lançar uma iniciativa de política externa para-lamas. Poderia divulgar a lista de acordos internacionais de combate à corrupção já assinados, mas nunca totalmente implementados.

    Poderia adotar como meta a rápida internacionalização do trabalho de Polícia Federal e OAB. Na América do Sul e na África, muitos de nossos vizinhos não contam com instituições irmãs, e a demanda por cooperação técnica é intensa.

    Há iniciativas mais audaciosas, como modificar a legislação para impor critérios mínimos de transparência a empresas brasileiras que operam no estrangeiro com ajuda do Estado.

    Claro, essas empresas não vão gostar de algo assim. Em muitos países, os envelopes pardos são precondição para a obtenção de contratos e licitações. Em muitos casos, a corrupção em terceiros países aquece os negócios do lado de cá.

    Muitos governos estrangeiros também protestariam. De Angola à Guiné Equatorial, de Argentina à Venezuela, nossos interesses econômicos às vezes se chocam de frente com o combate à corrupção.

    Paciência. Como mostra a literatura especializada, a podridão fora das fronteiras e a podridão dentro delas operam por vasos comunicantes. Impossível reduzir uma sem reduzir a outra.

    Nada disso significa sacrificar relações com outros países, apenas empurrar o jogo para níveis de mais transparência. O objetivo da diplomacia para-lamas é simples: trabalhar contra as forças que insistem em enquistar o Brasil no atraso.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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