Um novo consenso ganha adeptos na imprensa, nas universidades, na Esplanada dos Ministérios, em ninho tucano e em campo petista: se a política externa encontra-se de mãos atadas, a culpa é de Dilma.
Há coisa de dois anos, quando o burburinho ainda era marginal, esta coluna o alimentou.
Não me arrependo, porque a retração internacional do país durante o primeiro mandato teve as digitais do Planalto. Do Paraguai à Venezuela, da Bolívia à Ucrânia e à África, o governo tropeçou feio. Com os cortes orçamentários mais recentes, o cenário é desolador.
Só que seria um erro reduzir tudo à caricatura simplória de uma presidente que tem medo de pegar avião e desgosta de diplomacia.
Esse tipo de crença alimenta a fantasia segundo a qual, sem Dilma, nosso problema de inserção internacional estaria resolvido.
Bastaria um presidente interessado pelo assunto e com dinheiro em caixa para retomar a trajetória ascendente. Não é assim porque uma trajetória ascendente depende de um bom roteiro.
E hoje não temos roteiro. FHC tinha o dele –a adaptação à globalização. Lula idem –a desconcentração do poder mundial. Juntos, eles melhoraram a nossa posição no mundo.
Hoje, contudo, o prazo de validade desses roteiros venceu. Em todas as áreas centrais da política externa brasileira, a demanda por pensamento novo é brutal.
Nada indica que, nesta conjuntura nefasta, o governo tenha interesse ou capacidade para criar um roteiro novo.
Isso dito, porém, mesmo uma política externa que é prisioneira de circunstâncias adversas tem espaço de manobra.
Como prisioneira que é, a diplomacia profissional pode ficar sentada à espera da liberdade ou adotar um regime de exercícios capaz de fortalecer-lhe a musculatura para o dia em que a liberdade chegar. É possível fazer ginástica na cela.
Existe um bom precedente histórico. O general Figueiredo assumiu o governo em 1979 numa conjuntura horrível para seu regime: sucessivas derrotas políticas, crise da dívida externa, implosão da coalizão dos países em desenvolvimento e uma onda de ameaçadoras reformas liberais. Quando deixou o poder, deixou o país em seu pior momento numa geração.
O general tinha interesse limitado por temas internacionais. Não tinha intimidade com seu chanceler (preferia ouvir conselhos de seus amigos de farda). No Itamaraty, faltava dinheiro para tudo.
Apesar disso, a performance da diplomacia brasileira da época foi de tirar o chapéu.
O Brasil ajudou a desarmar uma intervenção americana no Suriname e conseguiu a proeza de fazer da Argentina pós-Malvinas uma aliada. Pela primeira vez, criou-se política ativa para
Colômbia, Equador e Venezuela, abrindo espaço para a guinada regional que viria a seguir. Algo similar ocorreu na África. Ginástica na cela.
Nas próximas semanas, a coluna vai passar em revista a série de problemas de política externa cuja resolução é urgente, mas não depende de grande engajamento presidencial.
É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.