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    Matias Spektor

    Brasil precisa gerir sua dependência da China

    22/05/2015 03h00

    Julgar a visita do premiê chinês ao Brasil nesta semana em função do volume de investimentos prometidos ou sugeridos é uma perda de tempo. Exagera quem vê na China uma promessa de salvação tanto quanto quem descarta tudo como propaganda enganosa.

    Os valores e áreas de aplicação serão o fruto de negociações demoradas e do novo ambiente brasileiro para esse dinheiro.

    O tema central das relações Brasil-China é mais preciso do que isso, e diz respeito a como o Brasil fará para gerir sua posição de dependência face à potência emergente da atualidade. Quatro elementos caracterizam a nova matriz do relacionamento hoje.

    Hierarquia. Quando o sistema financeiro global derreteu, em 2008, a política anticíclica do governo brasileiro foi possível graças ao colchão de recursos acumulados após anos de superávit com a China.

    Agora, quando o Planalto inaugura uma nova rodada de privatizações para restaurar a atividade econômica, é a poupança chinesa que poderá salvar a lavoura. Essa conexão inaugura níveis de hierarquia antes desconhecidos entre os dois países.

    Classe. O crescimento chinês foi um dos principais motores econômicos por trás da redução da desigualdade social brasileira durante a década de 2000.

    A demanda chinesa por proteínas e aço provocou uma das mais intensas transformações em nossa estrutura de classes. Esse ciclo, porém, acaba de ser encerrado.

    Além de seu impacto econômico, o fim dos colossais superavits comerciais brasileiros em relação à China tende a ter efeito político, pois elimina uma fonte essencial do contrato social implementados nesses vinte anos pelo condomínio PT-PSDB.

    Alavancagem. O establishment chinês está dando uma guinada dramática em sua atitude em relação à Parceria Trans-Pacífico (TPP), iniciativa norte-americana para moldar o futuro político e econômico da Ásia.

    Há pouco tempo, Pequim via a proposta com desconfiança, por ser tentativa de Washington para conter-lhe as ambições regionais. Hoje, os chineses já entendem estar diante de uma oportunidade para ocupar mais espaço. Na América Latina, México, Peru e Chile já estão no processo do TPP, enquanto Colômbia pediu para entrar.

    Todos apostam pesadamente na conexão chinesa. Com isso, o custo que o Brasil paga por seu isolamento comercial, já grande, só cresce. Sua capacidade de alavancar a ascensão chinesa em benefício próprio, diminui.

    Segurança. A delegação chinesa assinou em Brasília um acordo para sensoriamento remoto, telecomunicações e tecnologia da informação para a proteção e defesa da Amazônia.

    É um negócio de centenas de milhões de dólares. Se avançar, o entendimento criará desafio inédito para a política externa brasileira.

    Alguns vizinhos soarão o alerta, clamando por resposta americana. Os americanos planejarão como responder a um cenário de atrito crescente com os chineses na América Latina. E a sociedade brasileira assistirá a um capítulo novo -e difícil- sobre liberdade na internet, transparência no acesso à informação e controle da espionagem estrangeira.

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    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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