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    Matias Spektor

    Guerra às drogas tira peso político de visita de Dilma à Casa Branca

    25/06/2015 04h00

    Nos últimos anos, Brasil e Estados Unidos tiveram cooperação estreita no combate às drogas. Essa cooperação tem sido fundamental para o Brasil, principal entreposto comercial da cocaína sul-americana e segundo consumidor mundial da droga, depois dos Estados Unidos.

    Como afirma um relatório do Departamento de Estado, o Brasil não tem "capacidade necessária para conter o fluxo de narcóticos que atravessam suas fronteiras", uma área três vezes maior que a divisa entre México e Estados Unidos. Afinal, temos fronteira com os maiores produtores da droga: Colômbia, Peru e Bolívia.

    A cooperação brasileiro-americana evoluiu nos últimos anos. Quando os americanos pediram, o Brasil aprovou uma lei sobre crime organizado e abriu 19 postos da Polícia Federal em regiões fronteiriças. Em troca, o Tesouro americano desembolsou milhões de dólares em cooperação.

    Como era de se esperar, quando o Brasil não coopera, os americanos jogam duro. Por exemplo, eles usaram sanções à indústria aeronáutica e suspensão de créditos do Eximbank até quebrar a resistência de Brasília à chamada "Lei do Abate" (que autoriza o abate de aviões considerados suspeitos de transportar drogas).

    Agora, esse quadro está em transformação. Obama começou a denunciar a guerra às drogas como uma política cara, ineficaz e contraproducente, reformando a maneira como o resto do planeta lida com o tema.

    A cooperação de que o Brasil necessita para lidar com esse problema em suas fronteiras acaba de ficar mais cara e difícil.

    Dilma não dirá nada sobre o assunto durante a visita oficial, mas Obama tem razão.

    Em 40 anos de política repressiva, as drogas no mundo, em vez de encarecerem, ficaram mais baratas. Sua qualidade aumentou.

    A repressão ainda criou um mercado negro que alimenta corrupção entre narcotraficantes, forças de segurança e políticos mundo afora. Em países como Brasil e Estados Unidos, produziu encarceramento em massa, muitas vezes por crimes não violentos.

    O hemisfério ocidental está se ajustando à nova realidade. Guatemala, Uruguai e alguns Estados americanos estão descriminalizando o consumo de drogas. Na Colômbia, país onde a guerra às drogas enfraqueceu a guerrilha, mas manteve a força dos cartéis, o governo vê a velha política como "fracassada".

    Obama e seu sucessor vão forçar a criação de novas regras internacionais para gerir o tráfico de drogas. Alheia ao processo, a diplomacia de Brasília não terá espaço para moldar o jogo.

    Dilma, que poderia ser líder regional no assunto, não será.

    Os otimistas depositam esperança na Justiça brasileira. Em janeiro, por exemplo, liberou-se a substância ativa da maconha para uso médico contra doenças como a epilepsia.

    Em geral, porém, o governo continua preso ao paradigma de ontem. A descriminalização do consumo não tem apoio do Congresso Nacional nem da maioria da população.

    E assim, enquanto o mundo anda, nós ficamos para trás.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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