Meios de comunicação os mais diversos foram à forra nas últimas semanas, vazando telegramas de seis embaixadas brasileiras no exterior.
O material não traz nada de novo, ilegal ou imoral. Apenas mostra diplomatas brasileiros promovendo interesses de grandes empresas nacionais, por vezes na esteira de uma visita do ex-presidente Lula pelo país em questão.
Em tempos de Lava Jato, a futrica excita os ânimos. Afinal, o poderoso esquema de internacionalização dos conglomerados brasileiros está rachando sob pressão das investigações. Acuado, o governo guarda silêncio. O ônus ficou por conta dos embaixadores brasileiros em Gana e Portugal, que deram a cara a tapa com coragem e inteligência.
Nos gabinetes de Brasília, porém, parte da tecnocracia ainda descarta o fuzuê como tentativa de demonização da diplomacia comercial.
Porta-vozes do setor privado seguem a toada, publicando artigos em defesa do atual modelo. "Todo governo que se respeita promove suas grandes empresas privadas no exterior", reza o argumento.
Esses textos citam os exemplos americano e britânico de promoção comercial, omitindo referências às estritas leis anticorrupção que lá vigoram.
Citam ainda a China, sempre com imagens dentais: os chineses fariam diplomacia comercial com a "faca nos dentes" e estariam "armados até os dentes" para realizar um trabalho eficaz. Não há referências, porém, aos graves problemas de higiene bucal, que geram incompatibilidade definitiva entre dentaduras autoritárias e democráticas.
Os argumentos das últimas semanas ignoram a mudança em curso. Seus defensores não perceberam que a Lava Jato transformará de vez o ambiente da promoção comercial.
A evolução tem sido rápida. Do mensalão para cá, criou-se um arcabouço que inclui acordos de leniência, delação premiada e uma nova lei anticorrupção que pune pessoas jurídicas pela primeira vez. Gente branca, rica e poderosa pode acabar no xilindró. E o caldo há de engrossar mais com a Lei de Responsabilidade das Estatais e a CPI do BNDES.
O pacote de limpeza ganhará força adicional se o Senado aprovar a abertura do pré-sal à competição internacional. Escrita para viabilizar o fluxo de petróleo e reverter os equívocos da Petrobras, a lei corrigirá regras locais talhadas para proteger cartéis de amigos que dificultam a fiscalização.
Há uma nova gama de interesses públicos e privados pró-transparência em gestação, e a política externa brasileira será obrigada a representá-la.
Poderá fazê-lo com inteligência, aprendendo da experiência internacional para conceber novos protocolos de promoção comercial. Ou poderá operar na retranca, sendo arrastada pela força de um jato ainda longe de acabar.
É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.