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    Matias Spektor

    BNDES no exterior

    27/08/2015 02h00

    Nos últimos 15 anos, o BNDES transformou-se em poderoso instrumento de política externa. Com quase 2000 empréstimos para obras no estrangeiro, o banco facilitou a criação de portentosas multinacionais brasileiras.

    Graças à abertura de informações por pressão dos órgãos públicos de controle, uma bateria de estudiosos pode agora analisar o modelo do BNDES no exterior com rigor.

    Já se sabe que uma avaliação da projeção internacional do banco terá de lidar, pelo menos, com quatro problemas centrais.

    1. O banco financiou com crédito barato países de risco elevado, seguindo um processo decisório impermeável ao escrutínio público. Como o crédito se concentra em aliados internacionais do governo brasileiro, tais como Angola, Argentina, Cuba, Guatemala, Moçambique e Venezuela, há dúvidas genuínas sobre a qualidade de cada decisão.

    2. O subsídio do banco para atividades no exterior aumentou as distorções do mercado nacional, que já é muito desigual. Em vez de prover crédito a empresas que não teriam condições de obtê-lo por si sós, o banco ofereceu dinheiro barato a corporações com recursos em caixa para custear suas próprias obras ou com acesso franqueado ao mercado de crédito global. Desde 2007, por exemplo, a Odebrecht abocanhou, sozinha, 69% do total de recursos para obras financiadas pelo banco no exterior.

    3. O crédito do banco é concedido às empresas sem o pedido de contrapartidas efetivas de probidade administrativa em suas operações em terceiros países. As suspeitas de exportação de corrupção made in Brazil até agora têm sido limitadas, embora as investigações em curso ainda possam mudar o quadro.

    4. Por meio do BNDES, o governo brasileiro estende seu fluxo de recursos a países que ofendem ou violam direitos fundamentais, sem utilizar a influência obtida por meio de tais financiamentos para promover ambientes de governança mais decentes nos países parceiros.

    Hoje, o futuro do banco como instrumento da diplomacia parece incerto. O turbilhão econômico promete deixar o banco descapitalizado durante um longo período.

    Mesmo se houver reformas e ajustes, o processo não será fácil ou linear, pois os grupos afetados hão de resistir à perda dos privilégios. Mas a experiência de terceiros países oferece lições úteis para o caso brasileiro.

    O crédito à exportação é um instrumento fabuloso de projeção internacional para países capazes de estabelecer critérios de acompanhamento e avaliação.

    Sem controles adequados, o que poderia ser uma política externa inteligente resulta apenas em transferência de renda de baixo para cima.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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