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    Matias Spektor

    Abram alas

    05/11/2015 02h00

    As forças que tentam transformar o Brasil numa taba galgaram posições táticas nos últimos dias, gerando vigorosa reação social em prol dos direitos das mulheres.

    O tema está longe de ser uma questão estritamente nacional. Pelo contrário, a proteção dos direitos das mulheres é uma política pública afetada de modo direto pela política externa e pelas relações internacionais, como veremos em colunas vindouras.

    Nesta semana, o movimento #AgoraÉqueSãoElas alerta para o problema, convidando mulheres com experiência na luta por direitos a escrever no lugar de colunistas homens de toda a imprensa. Com vocês, a ativista de direitos humanos e ex-diretora da ONG Conectas Lucia Nader, cujo trabalho atravessa fronteiras nacionais.

    "Quando você crescer, passa. Mas não passou. Não passou a vontade de mudar o mundo e construir um país melhor. Nem a força para lutar por isso, com meu corpo e voz de mulher.

    Foi como mulher que entrei pela primeira vez, há 20 anos, num presídio repleto de mulheres que vivem sua feminilidade atrás das grades. Mulheres que são revistadas nuas, invadidas por dentro e algemadas durante o parto. Algumas utilizam absorventes feitos com miolo de pão.

    Foi como mulher que me dirigi a presidentes, ministros e juízes, reagindo a comentários sexistas com o olho no olho, e um sorriso de raiva que buscava evitar a submissão esperada. Sorriso feminino às vezes eficaz, mas sempre difícil de digerir. Foi como mulher que fui tantas vezes chamada de "menina" por engravatados na ONU, que queriam saber qual homem eu assessorava.

    Situações nas quais, para ser ouvida, precisei cobrir as curvas, engrossar a voz e masculinizar o tom. Franzir a testa para denunciar a história de Kim, idosa norte-coreana presa durante 30 anos em um campo de concentração, onde foi forçada a matar um dos filhos e comer-lhe a carne.

    Foi como mulher que rodei o mundo acompanhando as histórias daqueles para quem 'não passou'. Como a de Consuelo e Antonia, mãe e filha, que cruzaram a pé a fronteira do México com os EUA. Ou a das mulheres que foram às ruas para pedir democracia após a sanguinária ditadura da Tunísia, de onde escrevo estas linhas. E foi como mulher que, semana passada, assisti emocionada à tomada das ruas por mulheres em todo o Brasil. Ruas de um país que também luta arduamente por sua democracia e que precisa fortalecê-la cotidianamente.

    O grito que ouvimos foi provocado pelo projeto de lei 5.069, que dificulta o aborto em casos de estupro: um grito estridente por mais liberdade para decidir sobre nossos corpos e sobre nossas vidas.

    É só o começo. Abram alas, pois não passou. Estamos aqui para ficar".

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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