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    Matias Spektor

    Estratégia da vitória

    26/11/2015 02h00

    A vitória de Macri sacode o tabuleiro geopolítico da América do Sul com mais força que qualquer outro evento do passado recente. Isso ocorre porque a mudança de governo na Argentina terá efeitos em cascata sobre as alianças, as instituições e o equilíbrio de forças entre os governos dos principais países do entorno regional.

    A transformação não tem direção predeterminada nem data certa para acabar, mas imporá parâmetros novos à política externa brasileira. Antes de avaliar o impacto de Macri sobre o Brasil, porém, é necessário estudar a estratégia da vitória, pois ela define os trilhos sobre os quais avançará a nova diplomacia argentina.

    Macri escolheu não montar uma coalizão anti-kirchnerista para vencer as eleições. Entendeu ser minoria da população a apoiar Cristina cegamente (20%) ou a execrá-la sem hesitação (15%). Ao contrário, a grande maioria pediu mudanças sem ruptura, e foi isso que ele prometeu: Estado ativo com redistribuição de renda e economia aberta com reinserção internacional.

    Macri chega à Casa Rosada prometendo reformismo calculado. Descartá-lo como "neoliberal" ou "conservador", adjetivos comuns na imprensa brasileira, é ignorar os ditames por trás da estratégia da vitória.

    Virar um presidente reformista será tarefa dificílima. Macri conta apenas com um quinto dos governadores e está longe de ter maioria parlamentar. Sua chegada ao poder coincide com a recessão brasileira e a retração chinesa, duas fontes de desemprego para os argentinos. Para dificultar, sindicatos, estudantes e a oposição peronista confrontarão com garra o ajuste que o novo governo entende ser precondição para tirar o país do atoleiro.

    No entanto, Macri conta no futuro próximo com a força e o frescor de seu mandato. Sua vitória não foi produto de carisma, mas de cálculo frio, organização impecável e muita disciplina, recursos hoje ausentes entre seus opositores.

    O presidente eleito ainda controla o governo nacional, a principal Província e a maior cidade do país, com polpuda verba para propaganda, três bancos públicos e um incomparável leque de instrumentos para asfixiar protestos e comprar adesões.

    Além disso, o presidente dispensou os preconceitos partidários que são marca registrada da cultura política argentina. Montou partido novo para se projetar, mas aliou-se a um partido antigo capaz de lhe emprestar palanques, militantes e conexões no interior do país. Agora, seu incentivo é o de torpedear o peronismo que controla o Senado para dali arrancar dissidentes com os quais montar uma versão argentina do "presidencialismo de coalizão".

    Onde acaba ninguém sabe, mas ele começa como um trator. Sua diplomacia será reflexo disso.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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