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    Matias Spektor

    Má resolução

    03/12/2015 02h00

    Era inevitável: a sequência de atentados do Estado Islâmico estava fadada a provocar uma reação imediata das grandes potências. O que era possível evitar, porém, é a resposta das duas últimas semanas.

    Na esteira dos atentados em Paris, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 2.249. Devido à comoção geral, o texto passou em tempo recorde e com a força de um rolo compressor.

    A peça exorta as grandes potências a agir contra o Estado Islâmico. O diabo, entretanto, reside nos detalhes: como o texto exorta o uso da força militar, mas não a autoriza de maneira explícita, tampouco impõe condições a quem ataca. As operações realizadas com base nessa peça jurídica não têm data para acabar nem mecanismos embutidos para impedir abusos.

    A vantagem, claro, é que ficou mais fácil angariar aliados. Anteontem, a Alemanha comprometeu-se com 1.200 soldados, aviões e uma fragata. Ontem, o premiê britânico David Cameron pediu autorização a seu parlamento para iniciar os bombardeios. Ambos invocaram a resolução.

    A desvantagem, no entanto, é que o texto não demanda atuação coletiva entre os países. Em vez de impor a obrigatoriedade de um plano conjunto, a resolução é propositadamente ambígua para acomodar os interesses divergentes das partes.

    Como?

    Hoje, os russos bombardeiam o Estado Islâmico em território sírio com o consentimento do regime Assad.

    Austrália, Canadá, França, Estados Unidos e Turquia o fazem sem a anuência de Damasco, mas em nome da legítima defesa do Iraque.

    O jogo é perigoso porque mistura a luta contra o Estado Islâmico à luta contra Assad, uma dinâmica explosiva que a nova resolução acaba de legitimar. Nesse ambiente, há espaço para acidentes com consequências desconhecidas. O recente abatimento de um avião russo pela Turquia ilustra o ponto.

    Pior que isso, bombardeios simultâneos de vários países mais ou menos aliados que não operam como uma coalizão tendem a vitimar milhares de civis. Em vez de proteger as populações locais do jugo do Estado Islâmico, esses ataques podem causar mais mortes do que aquelas cometidas pelos facínoras da organização.

    Construir uma coalizão sempre é um processo tortuoso sem resultado garantido. Mas é um mecanismo bom para angariar o apoio das populações locais. Hoje, parte dessas pessoas enxerga no Estado Islâmico um escudo protetor contra potências estrangeiras. Sem apoio local, a organização morreria de inanição.

    Este grupo terrorista é uma ameaça sem precedentes à paz e à estabilidade internacionais. Deve ser combatido a ferro e fogo, mas também com inteligência e sofisticação.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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