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    Matias Spektor

    Vices

    10/12/2015 02h00

    "Há dois tipos de vice-presidentes", diz Frank Underwood, o protagonista do seriado "House of Cards". "Os capachos", cujo papel é meramente decorativo, e "os matadores", que abocanham todo o espaço possível à sombra do presidente em função.

    A personagem é inspirada em Lyndon Johnson, o hábil senador texano que amargou uma humilhante Vice-Presidência durante o governo Kennedy.

    Johnson ajudou Kennedy a ganhar o voto dos Estados conservadores do sul do país. Em troca, esperava comandar parte da máquina do governo. Em seguida à vitória, porém, o vice viu-se jogado para escanteio. Ficou fora das grandes decisões e sem papel de articulação. Nos bochichos do palácio, era objeto de chacota dos amigos do presidente.

    No dia do assassinato de Kennedy, Johnson começou a construir a volta por cima. Aprovou as reformas políticas mais difíceis de uma geração, ganhou a reeleição de lavada e abafou um escândalo de corrupção que tinha tudo para vitimá-lo.

    O drama entre presidente e vice tem longuíssimo pedigree nas democracias ocidentais.

    Por aqui não é diferente. Collor mal dirigia a palavra a Itamar. Fernando Henrique e Lula tratavam Marco Maciel e José Alencar com todo cuidado, chegando a desenvolver por eles carinho genuíno. No entanto, os presidentes concediam aos respectivos vices prestígio em troca da fidelidade canina, a ser provada e comprovada a cada passo.

    Esse é o contexto da carta de Michel Temer. Ela não é produto de capricho, mas de cálculo meticuloso. Equivoca-se quem viu no gesto um improviso infantil, mal concebido ou pobremente executado. Ao contrário, Temer seguiu à risca as lições de numerosos vices mundo afora antes dele.

    Diante do isolamento imposto pela presidente, ele decidiu forçar um reequilíbrio em benefício próprio. Esticando a corda com vigor inesperado, pôs a presidente na defensiva.

    A jogada ofensiva funcionou. Dilma viu-se forçada a entregar a cabeça de Picciani, liderança emergente que estava de olho em nacos da autoridade do vice-presidente.

    Em seguida, o Alvorada precisou enviar emissários para buscar uma trégua no Jaburu. Se houver guerra, todos sabem, quem mais perde é ela.

    Temer precisava desse fôlego novo porque tem duras batalhas pela frente. Por um lado, o avanço da Operação Lava Jato sobre a cúpula do partido que comanda, dinâmica cujo desfecho lhe é impossível controlar.

    Por outro, ele é peça central do impeachment da presidente. Se ela cair, ele precisará criar uma fonte para o futuro na pior das circunstâncias. Se ela ficar, caberá a ele montar uma linha de defesa para preservar o espaço ameaçado.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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